Comentários
do Blog: Olá amigos
leitores, fiéis membros participantes e subscritores da Newsletter, seguidores
do Twitter “@D_Trabalhista” e parceiros do Diário
de Um Advogado Trabalhista.
Tendo em vista a
grande produção de decisões interessantes pelos nossos Tribunais do Trabalho, o
Blog retoma hoje uma publicação para as Seções “ Advocacia Trabalhista “ e “ Notícias
“, nas quais comentamos julgados de singular relevância, e claro, sempre
trazendo uma contribuição pessoal deste Blogueiro quanto ao tema de direito do
trabalho abordado.
Nesta postagem o
Diário está evidenciando um acórdão em Recurso Ordinário da lavra de uma Turma
do TRT da 1ª Região – Rio de Janeiro. Como o leitor poderá constatar na ementa
e no voto abaixo transcrito, trata-se de uma casuística sobre uma questão atual
nas relações trabalhistas: o Assédio Moral Organizacional ou “Mobbing”
Institucional.
No caso em análise,
trata-se de uma reclamante do setor de Telemarketing que era assediada com
extremo rigor por um superior, sempre no afã de exigir um cumprimento de metas
de atendimento superiores à capacidade média normal de um empregado desta
categoria. A ameaça, sempre a mesma, era a de perder o emprego.
Por incrível que
possa parecer, este é apenas um caso simbólico e emblemático de assédio moral
institucional (ou organizacional). Típico até. Este Blogueiro, ao longo de 11
anos de experiência na Advocacia Trabalhista já vivenciou inúmeros casos
semelhantes a este, onde os motivos para a ameaça de perda do emprego se davam
por motivos até mais fúteis do que o cumprimento de metas ou rendimento.
Às vezes, quanto
maior a estrutura organizacional de uma empresa, maior também é o número de
encarregados, supervisores e gerentes, que, ainda com certo e limitado poder de
gestão, cometem excessos que levam seus subordinados ao adoecimento causado
pelo assédio moral institucionalizado.
No caso tratado
neste julgamento, o assédio moral restou institucionalizado em decorrência da
inércia da empresa diante da conduta do assediador, que não atingia somente a
própria reclamante, mas também uma pequena coletividade que trabalhava no
setor. A reclamante era apenas o bode expiatório de uma conduta não tolerada
pela chancela de produção adotada pelo ente empresarial.
Mas quero chamar
atenção para os leitores deste espaço, que existem outras formas de “Assédio
Moral Organizacional” ou “Mobbing Institucional” que se apresentam de forma
subjacente ao inconsciente coletivo dos empregados sem que haja a ofensa direta
e clássica ou a figura do preposto assediador (assédio interpessoal). E é até
mais cruel.
Muitas vezes, em um
ambiente de trabalho extremamente competitivo há um movimento silencioso no
qual os próprios empregados se cobram uns aos outros (de forma horizontal, ou
seja, sem a participação do superior hierárquico) pela “excelência” do
trabalho. Aquele empregado que não “se adéqua” ao padrão de “excelência” criado
pelos demais colegas, acaba alijado das atividades da equipe, e relembrando,
atitude tomada pelos próprios empregados. Nestes casos, o próprio “mercado de
trabalho” interno da empresa fomenta este ciclo perverso.
Certo é, que nesta
segunda forma de assediar do empregado, a empresa torna-se a única beneficiária
desta “competição”, sem, contudo, preocupar-se com as sequelas psíquicas contraídas
pelo “vencidos”.
Tenho comigo, e
respeitando entendimentos contrários, que a empresa tem uma função social a ser
desempenhada (art. 170 da CF), e mais do que isso: tem o dever de custódia para
com o empregado que está sob seu poder diretivo. Por este motivo, deve
preservar a higidez mental daqueles que prestam serviços para ela, devolvendo-os
à sociedade e convívio particular exatamente no estado que se encontrava quando
foi contratado. Além da perseguição ao lucro, as políticas de gestão das empresas
devem ser direcionadas à proteção ao trabalho e à repressão de práticas discriminatórias
aos trabalhadores.
Veja então, a
decisão judicial do TRT da 1ª Região que motivou os comentários de hoje:
PROCESSO:
0088500-06.2009.5.01.0024 – RTOrd
Acórdão
5a
Turma
1)
Recurso da 1ª Reclamada - CONTAX S/A ASSÉDIO MORAL. MOBBING
INSTITUCIONAL A
implementação de determinados procedimentos com o fim de atingir melhores
resultados produtivos deve respeitar a dignidade dos trabalhadores. Recurso desprovido.
VOTO
(......)
Indenização
por assédio moral
No
caso em debate, a Reclamante entende ter sofrido assédio moral em virtude das
arbitrariedades cometidas, no caso, o critério de metas e aceleração da prestação
de serviços para evitar a denominada “fila de espera”, sempre com ameaças de demissão. (fls. 6/09)
A
reclamada, em defesa, às fls. 85/87, afirma que o cumprimento de metas e
inerente ao poder de direção, procedimento comum e necessário no mercado de consumo,
competitivo (fl. 87).
Vejamos
as provas.
A
testemunha trazida pela reclamante, Sra. Tatiani da Silva Machado, à fl. 444, trabalhou como
operadora de telemarketing receptiva para a recorrente de 1/09/2007 até
02/06/2008, e informou:
“6- que presenciou a
autora ser advertida pelo supervisor Wallace Nascimento por ter extrapolado o tempo de pausa de 20
minutos de lanche; [...] 12- que lá tinham metas a serem cumpridas e caso não
cumprisse a punição era a demissão, como foi ameaçada por Wallace; [...] 14- que
o não cumprimento de horários e pausas ensejava ameaça de dispensa; 15-
que as ameaças de dispensa eram dadas na frente de todos; [...] 19- que o
supervisor chamava a atenção e ameaçava de dispensa na frente de todos;
[...]
O
preposto da recorrente confessa que a autora tinha cumprimento de metas, porém
não soube responder sobre a subordinação da autora ao supervisor Wallace Nascimento e se a
autora cumpria ou não as metas estabelecidas.
A
testemunha trazida pela recorrente, Sr. Edmilson Carmo de Lima, também exerceu a função de supervisor
da reclamante, entretanto, informou a reclamante não ter tido problemas com o
referido superior (item 17 de fl. 442), o que foi ratificado pelo depoimento da
testemunha (fl. 445).
Provado
o critério desarrazoado utilizado pelo supervisor da reclamada - Sr. Wallace Nascimento. Como dito em outros casos
semelhantes, o reexame do quadro fático-probatório parece remontar o Brasil
escravagista, em que a reclamante seria a “cativa”, a reclamada o “amo”, e o
supervisor, a temido “feitor” impondo os
métodos
de tortura e submissão.
O
procedimento adotado pelo Sr.
Wallace Nascimento (supervisor), e a inércia da reclamada, torna
pertinente a remissão da advertência feita por Marie-France Hirigoyen
(Original: Le harcèlement moral, 1998. Tradução: Assédio moral: a
violência perversa do cotidiano, RJ, Bertrand, p.93-95):
“Esse tipo de
procedimento só é possível quando a empresa finge não vê-lo, ou mesmo quando o
encoraja. Há diretores que sabem tomar medidas autoritárias quando um
funcionário não é competente, ou quando o seu rendimento é insuficiente, mas
não sabem repreender um empregado desrespeitoso ou inconveniente em relação a
um(a) colega.
“Respeitam” o domínio
privado, não se metem nele, alegando que os empregados são suficientemente
adultos para resolver tudo sozinhos, mas não respeitam o próprio indivíduo. Se
a empresa é assim condescendente, a perversão gera a emulação entre indivíduos
que não são propriamente perversos, mas que perdem seus referenciais e se
deixam persuadir. Não acham mais chocante que um indivíduo seja tratado de
maneira injuriosa. Não se sabe onde está o limite entre o fato de criticar ou
censurar seguidamente alguém para estimulá-lo e o fato de persegui-lo. (...)
A ameaça de perder o
emprego permite erigir a arrogância e o cinismo como métodos de gerenciamento. Em um sistema de concorrência desenfreada, a frieza e a dureza
tornam-se a norma. (...)
Pede-se aos
assalariados que trabalhem demais, que trabalhem com urgência e que sejam
polivalentes. (...)
Certas empresas são
“espremedoras de sucos”. Fazem vibrar a corda afetiva, utilizam seu pessoal
pedindo sempre mais, prometendo mil coisas. Quando o empregado usado, não mais
suficiente rentável, a empresa livra-se dele sem o menor escrúpulo.”
Embora
o assédio moral tenha o intuito de levar o trabalhador assediado a pedir
demissão, também é possível, lembra a doutrina especializada, “o assédio moral pode também visar outros
fins, designadamente, amedrontar o resto do grupo de trabalho, servindo de
exemplo para outros trabalhadores.”(Agra Viforcos, Fernández Fernandez
e Tascón Lopez, citados por PACHECO, Mago Graciano de Rocha. O assédio moral
no trabalho: o elo mais fraco. Coimbra, Almedina, 2007, p.103)
Tal
modelo de organização de trabalho é denominado pela doutrina de “‘mobbing’
institucional”, parte de uma estratégia de gestão de recursos humanos, na
esteira das novas formas de organização do trabalho – medidas aplicáveis a todo
o universo de trabalhadores, com vista à implementação de determinados
procedimentos ou à proibição de certos comportamentos, visando-se atingir como
tal melhores resultados produtivos. (PEREIRA, Rita Garcia. Mobbing ou
assédio moral no trabalho: contributo para a sua conceptualização. Coimbra,
2009, p. 175-176)
O
procedimento adotado pelo citado supervisor e a condescendência da reclamada
não devem ser estimuladas. Nesse sentir, lembramos novamente Marie-France: “A própria empresa pode tornar-se um sistema
perverso quando o fim justifica os meios e ela se presta a tudo, inclusive a
destruir indivíduos, se assim vier a atingir seus objetivos. Neste caso, é no
nível de organização do trabalho que, por um processo perverso, a mentira serve
ao desenvolvimento da empresa.” (ibidem, p. 98)
Trata-se
de clara violação ao princípio da boa-fé, que preside a execução do contrato de
trabalho. Tal princípio, recorda Bengoechea, impõe ao empresário alguns
deveres, dentre eles, “a prevenção do desprezo aos direitos fundamentais do
trabalhador (com medidas adequadas, formais e materiais, para evitar o assédio
moral e moral, por exemplo)” e “exercer
seus poderes com o fim de proteger os direitos fundamentais de seus
trabalhadores. Por ex. não ficando inerte diante do caso de assédio sexual ou
moral em sua empresa”. (Bengoechea, Juan A. Sagardoy. Los derechos
fundamentales y el contrato de trabajo. Navarra, Aranzadi, 2005, p. 43.
Traduzi)
Diante
do tratamento dispensado à reclamante, irrepreensível portanto a condenação,
nos exatos termos fixados.
Nego
provimento.
Se
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