Embora o trabalho enobreça o homem, o descanso e a vida em sociedade também devem ser preservados |
Na
postagem de hoje o Blog vai comentar uma notícia de julgado que traz para
debate um tema bastante interessante: o direito fundamental do empregado ao
lazer, o surgimento do “dano existencial”, e a correspondente reparação a este
tipo de dano experimentado.
Comentário do Blog: Caros amigos leitores, prezados ilustres leitores que
também são Blogueiros formadores de opinião - que estão aí da coluna à direita
do Blog, e seguidores do nosso Twitter oficial (@D_Trabalhista). Um especial abraço.
Fica
registrado, também, agradecimentos às pessoas que compartilham o conteúdo de nossas
postagens no Facebook através do botão “Curtir” à direita, bem como saudamos
com boas vindas os visitantes que sempre chegam ao Blog através dos mecanismos
de pesquisa.
E,
finalmente, espero corresponder cada vez mais aos mais de 3.000 assinantes de nosso informativo via email (Newsletter
– cadastro gratuito na coluna da esquerda). É impressionante a rapidez que
cresce o número de cadastrados, na maioria das vezes cerca de 60 novos
assinantes diários. Este Blogueiro agradece e interpreta este fenômeno como
um sinal de reconhecimento e credibilidade.
Quero
dizer antes de adentrar no conteúdo científico da postagem, que estive um pouco
afastado das atividades do Blog por vários motivos, dentre eles, aliás, principalmente,
devido à minhas intensas atividades profissionais como advogado, tanto quanto
pela ausência de conteúdo realmente inovador ou relevante para ofertar aos
leitores.
Mas
hoje, volto para comentar na Seção “Artigos” um julgado muito interessante da lavra do TRT da
4ª Região (Rio Grande do Sul), e sobre um assunto que há muito tempo este escriba
vem repercutindo em minhas palestras e na doutrina, mas que, no entanto, pouco
vinha repercutindo na jurisprudência. Por este motivo, comentar esta decisão do
Tribunal gaúcho está sendo de certa forma uma celebração.
E
como o amigo leitor poderá conferir na notícia de julgamento em destaque, o TRT
foi provocado para analisar um pedido de indenização por danos morais cuja conduta
antijurídica da empresa cinge-se em exigir jornada excessivamente extensa do
empregado.
No
julgado, os julgadores observaram que o empregado-reclamante sempre elastecia a
jornada além do limite diário de 02 horas estipulado pelo §2º do artigo 59 da
CLT. Cabe ressaltar, por oportuno, que o limite deste dispositivo da norma
consolidada não foi estabelecido por acaso, mas sim como forma de preservação
da higidez física e mental do trabalhador (direito fundamental à saúde), além
de se tornar patamar razoável na prevenção de acidentes de trabalho (direito
fundamental à vida e integridade física), sinistros estes que costumam ocorrer
em momentos de desatenção provocados pelo desgaste no decorrer da jornada.
Mas
o que restou explicitado de mais inovador no julgado em comento foi a investigação
do dano à personalidade sob a perspectiva do direito ao lazer, uma vez que o grande
número de horas extras quando habitualmente prestadas, em sucessivos dias/meses/anos
de trabalho, exclui o empregado de suas atividades pessoais e alheias ao
contrato, a ponto de prejudicar o gozo pleno do direito fundamental ao lazer e
convívio familiar, religioso e social, na forma prevista no caput do artigo 6º
da atual Constituição Federal.
Interessante
verificar, que esta circunstância já vinha sendo estudada pela Doutrina
trabalhista expoente e tratada como ”direito ao lazer do empregado” ou “direito
à desconexão do trabalhador”. Na seara científica e doutrinária, como já dito,
não é nada novo. Todavia, o tratamento intitulado pela Jurisprudência como “dano
existencial” é inovador, além de muito apropriado. Por isso, merece o devido
endosso deste escriba.
Na era do
pós-positivismo adquire peso a tendência moderna de que os direitos
fundamentais atuam além do papel clássico de mera exigência de abstenção ou
adoção de providências pelo Poder Público.
Muda-se o paradigma
e deve ser reconhecido que os direitos fundamentais, inclusive lazer,
representam valores mais relevantes para determinada sociedade. Transborda-se a
visão de que apenas o Estado está incumbido de cumprir referidos direitos,
passando a ser possível a exigência de que sejam reparadas as lesões perpetradas
por qualquer pessoa aos direitos fundamentais, até mesmo os particulares.
Em síntese, é o que
doutrina moderna denomina de “eficácia horizontal dos direitos fundamentais”.
Neste particular, o julgado do TRT da 4ª Região deu a densidade necessária ao
preceito do artigo 6º da Constituição, retirando seu texto da reserva do
possível e privilegiando, em última análise, direito intimamente ligados ao
pressuposto maior da dignidade da pessoa humana, e por que não, da vida.
Assim, ante a
dimensão objetiva dos direitos fundamentais, ao lado da subjetiva que permanece
existente, toda a sociedade passa a ter que respeitar os limites impostos e
promover a realização desses valores, donde conclui-se que os particulares
ficam vinculados aos direitos fundamentais, restando o ser humano protegido das
opressões mesmo nas relações privadas, em que comumente surge uma diferença de
força entre os atores que se vinculam.
Especial relevo
toma para a aplicação nas relações de trabalho, que na espécie de da relação de
emprego, via-de-regra há a vinculação de um hiposuficiente, tal como ocorre
também na relação de trabalho latu sensu onde muitas vezes ocorre uma
dependência econômica do trabalhador humano.
Em suma, a dimensão
objetiva dos direitos fundamentais propõe uma nova visão de antigas normas à
luz de valores consagrados e propõe àquelas outros significados e alcances
diante do vetor que a doutrina costuma chamar de filtragem constitucional,
exigindo que a normas jurídicas no momento de sua aplicação sejam reexaminadas
com novas lentes, que terão as cores da dignidade da pessoa humana, da
igualdade e da justiça social, todas timbradas na constituição
Corrente
contrária costuma questionar, e por dialética vou repercutir aqui:
E
o princípio geral de direito do “non bis in idem”? A condenação ao pagamento de
horas extras já não é penalidade à empresa “infratora”, uma vez que vedada a
dupla condenação para a mesma conduta ilícita?
A
resposta, para este Blogueiro parece simples. Não se trata de bis in idem, vez
que os danos causados ao empregado possuem duas origens distintas, sendo que,
cada um destes danos desafiam reparações distintas: uma para o dano de origem
patrimonial com o correspondente pagamento de horas extras; outra para o dano
de origem imaterial (moral), sendo devida uma indenização pecuniária
compensatória.
Ademais,
segundo a Súmula 37 STJ, é possível cumular pedido de danos morais e materiais
na mesma ação: "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano
moral oriundos do mesmo fato."
Com
relação à cumulação de mais de um dano moral na mesma ação, entendimento
semelhante vem sendo adotado quando, a partir de uma só conduta, dois ou mais
direitos da personalidade são violados.
Veja
agora, a notícia de julgamento objeto da presente análise:
Justiça do Trabalho gaúcha condena rede de supermercados Walmart por
dano existencial
A
Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região (TRT-RS)
condenou a rede de supermercados Walmart a indenizar em R$ 24,7 mil uma
trabalhadora que sofreu dano existencial ao ter sido submetida a jornadas de
trabalho com duração entre 12 e 13 horas diárias, com intervalo de apenas 30
minutos e uma folga semanal, durante mais de oito anos. Para os desembargadores
do TRT4, a jornada excessiva causou danos ao convívio familiar, à saúde e aos
projetos de vida da empregada, gerando prejuízo à sua existência.
A
decisão reforma sentença da juíza Lina Gorczevski, da Vara do Trabalho de
Alvorada. Ao julgar o caso em primeira instância, a magistrada argumentou que a
submissão à jornada bastante extensa durante o contrato de trabalho não gera,
por si só, dano moral existencial. A juíza ressaltou, na sentença, que o
cumprimento de jornada superior ao contratado gera direito à reparação apenas
na esfera patrimonial. Por isso, negou a pretensão da trabalhadora neste
aspecto.
Descontente
com a decisão, a reclamante interpôs recurso ao TRT4. Ela sustentou que a
reclamada prejudica a saúde física e mental dos seus empregados, tanto no
Brasil como no exterior, ao exigir o cumprimento de jornadas excessivas de
trabalho, sem pagamento de horas extras. Segundo a defesa da trabalhadora,
ficou demonstrado que a duração do trabalho contrariou previsão constitucional
do direito ao lazer, ao convívio social com a família, à saúde e à dignidade,
dentre outras garantias fundamentais.
Ao
analisar o recurso, o relator do acórdão na 1ª Turma, desembargador José Felipe
Ledur, explicou que o dano existencial, segundo o jurista Hidemberg Alves da
Frota, é uma espécie de dano imaterial que se apresenta sob duas formas: o dano
ao projeto de vida, que afeta o desenvolvimento pessoal, profissional e
familiar, influenciando nas escolhas e no destino da pessoa, e o dano à vida de
relações, que prejudica o conjunto de relações interpessoais nos mais diversos
ambientes e contextos.
Nas
relações de trabalho, ressaltou o julgador, o dano existencial ocorre quando o
trabalhador sofre prejuízo na sua vida fora do serviço, em razão de condutas
ilícitas praticadas pelo empregador. "O trabalho prestado em jornadas que
excedem habitualmente o limite legal de duas horas extras diárias, tido como
parâmetro tolerável, representa afronta aos direitos fundamentais e aviltamento
da trabalhadora", afirmou o magistrado. Conforme o desembargador, ao
submeter a trabalhadora por vários anos a jornadas excessivas, a reclamada
"em conduta que revela ilicitude, converteu o extraordinário em ordinário,
interferindo indevidamente na esfera existencial da sua empregada, fato que
dispensa demonstração. Seu proceder contraria decisão jurídico-objetiva de
valor que emana dos direitos fundamentais do trabalho".
PROCESSO 0000105-14.2011.5.04.0241 (RO)
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