O Diário de Um
Advogado Trabalhista oferece o artigo abaixo, de autoria do ilustre Jurista
Jorge Luiz Souto Maior, para que o amigo leitor possa ter acesso a uma visão
mais ampla do recente (e notório) caso da greve dos servidores do Metrô de São
Paulo e suas conseqüências, que vão além da simples mudança da rotina dos
usuários.
Amanhã, dia 12/06/2014
é feriado aqui na cidade de São Paulo, decretado em decorrência da abertura
oficial da Copa e do jogo inaugural da seleção brasileira no estádio Itaquerão.
E, neste mesmo dia
12/06/14, está marcada a retomada do movimento grevista dos metroviários, que
se fortaleceu em razão das dispensas “por justa causa” de muitos dos empregados
que aderiram ao movimento.
Portanto, a virtude
do artigo ora evidenciado é justamente trazer algumas entrelinhas para o leitor
do Blog, que, poderá entender o porquê do caos que se avizinha.
Afinal, mais do que
saber o que estamos fazendo, é importante saber de onde viemos e para onde
estamos indo...
E
agora, Geraldo?
Jorge
Luiz Souto Maior(*)
Não
satisfeito com as várias ilegalidades já cometidas contra o direito de greve,
ilegalidades estas que, de fato, atingem toda a classe trabalhadora, o
governador de São Paulo, que insiste em dizer que “ninguém está acima da lei”,
afrontou uma vez mais a ordem jurídica ao determinar a dispensa arbitrária e
por justa causa de 42 metroviários.
A
arbitrariedade está tanto no procedimento adotado, o envio de um telegrama, com
a notícia da dispensa, para as casas dos empregados, como se estes fossem
estranhos, quanto no próprio fundamento utilizado:
“Informamos o seu desligamento da Companhia por justa causa
a partir do dia 09/06/14, com fundamento no artigo 482, alínea “b”, da Consolidação
das Leis do Trabalho e no artigo 262 do Código Penal. Fica assegurado o seu
direito de interposição do Recurso Administrativo previsto no Acordo Coletivo,
no prazo de 3 (três) dias úteis a contar do recebimento deste telegrama.” (Enviado no dia 09/06/14,
às 10h07)
Vale
lembrar que o julgamento da greve se deu no dia 08/06/14 e, portanto, o envio
do telegrama às 10h07 do dia 09/06/14 não esteve, obviamente, relacionado a
fato praticado após a decisão judicial sobre a greve.
Aliás,
não está relacionado a fato algum. O telegrama diz apenas que o empregado está
dispensado com base na alínea “b”, do art. 482, da CLT, que trata das figuras
mais abertas e de conceituação mais complexa da legislação trabalhista:
“incontinência de conduta ou mau procedimento”.
A
“incontinência de conduta”, segundo Délio Maranhão[1], caracteriza-se pela vida irregular
incompatível com a condição ou com o cargo ocupado pelo empregado. Antônio
Lamarca conta que a maioria dos autores relaciona esse tipo à vida sexual
desregrada do empregado, com o que, em hipótese alguma, concorda Lamarca, o
qual restringe a hipótese a atitudes sexuais desregradas no âmbito da empresa.[2] Amauri Mascaro Nascimento[3] diz que se trata de um comportamento
irregular incompatível com a moral sexual, desde que relacionada com o emprego.
Mau
procedimento, para Délio Maranhão, “está em todo o ato que revela quebra do
princípio de que os contratos devem ser executados de boa-fé.”[4] Antônio Lamarca o restringe a ato
doloso praticado com o fim de prejudicar o empregador.[5]
Ambas
são fórmulas que não dizem, concretamente, nada, trazendo consigo o grave risco
de servirem para dizer tudo, isto é, servirem a qualquer propósito, pois se
algo não tem um sentido preciso pode ter qualquer sentido.
Pois
bem, fica evidenciado que se utilizou de fórmula aberta, para que depois fosse
preenchida, deixando-se, inclusive, o parâmetro jurisprudencial normalmente
utilizado para situações análogas, que é o de configurar a conduta do empregado
que não retorna ao trabalho após a declaração da ilegalidade da greve como ato
de insubordinação (art. 482, “h”, da CLT) ou abandono de emprego (art. 482,
“i”, da CLT), sendo que na primeira hipótese ter-se-ia uma gradação que
passaria pela advertência e pela suspensão, antes de se chegar à justa causa, e
na segunda, somente se completaria após 30 (trinta) dias de faltas.
Para
se chegar a uma justa causa por mau procedimento o trabalhador teria que
cometer um ato com tal gravidade, totalmente contrário à boa fé, que
inviabilizasse por completo a continuidade da relação de emprego, sendo que se
teria que levar em consideração também a condição pretérita do trabalhador,
pois a justa causa é sempre individualizada. Além disso, dentro de um contexto
de greve a justa causa se examina com muito mais rigor, para que não represente
ato de represália contra aqueles trabalhadores que foram os mais ativos no
movimento.
Ocorre
que não é de fato concreto algum que se trata. O telegrama condena a partir de
uma simples citação ao artigo, abrindo prazo para recurso apenas para
cumprimento formal de preceito de Acordo Coletivo, que confere uma garantia
ainda maior aos trabalhadores contra arbitrariedades na dispensa. Mas recorrer
do quê? Qual é a acusação?
No
aspecto do outro artigo citado no telegrama, o do Código Penal, a questão é
ainda mais grave, pois o trabalhador foi acusado de ter incorrido em um crime,
e, concretamente, já foi condenado com a pena da perda do emprego, sem qualquer
menção ao ato cometido, fazendo Kafka estremecer no túmulo.
Não
é demais lembrar que nos termos da decisão do STF, proferida no RE 589.998, a
dispensa, mesmo sem justa causa, de empregado de empresa pública deve ser
motivada e a simples adesão à greve não constitui falta grave (Súmula 316, do
STF), o que não se altera mesmo com a declaração judicial da abusividade ou
ilegalidade da greve (RR-124500-08.5.24.0086, 8ª. Turma do TST, Relatora,
Ministra Maria Cristina Peduzzi). Se os fundamentos fáticos para as dispensas
fossem o não retorno ao trabalho e a participação ativa em greve considerada
ilegal, que por si não ensejaria à justa causa, como visto, não seriam
atingidos, como se deu, apenas alguns trabalhadores, seletivamente escolhidos.
As
dispensas de 42 (quarenta e dois) metroviários, portanto, estão revertidas de
grave ilegalidade, deixando transparecer que foram promovidas, então, em
represália, com o objetivo de punir os trabalhadores como um todo pela greve e
fazendo-o de modo a gerar medo nas demais categorias de trabalhadores.
No
propósito de penalizar os trabalhadores, aliás, o governador não mediu
esforços. Seguindo a linha de tratar movimentos sociais, estudantis e
trabalhistas como casos de polícia, o que já havia feito quando enviou um
enorme contingente policial (400 homens, dois helicópteros, cavalaria e
diversas viaturas) para retirada de estudantes que ocupavam, em ato político, a
reitoria da USP, em 2011; quando promoveu operação de guerra para desocupação
do Pinheirinho, em São José dos Campos, em 2012; quando determinou ataque
policial aos manifestantes do MPL, em 2013; quando, no dia 22 de fevereiro de
2014, autorizou que 260 pessoas, dentre as 10.000, que protestavam contra os
gastos da Copa, fossem cercadas pela polícia e ficassem, então, em cárcere
privado, na rua, com sua liberdade subtraída, sem que tivessem cometido
qualquer tipo de ilícito; quando, no último dia 15 de maio, determinou que a
polícia, literalmente, fosse para cima dos manifestantes e desmontasse mais um
protesto que se realizava contra os gastos da Copa; o governador, por último,
na semana passada, utilizou a tropa de choque para coibir piquetes pacíficos
dos metroviários e, pelo uso da mesma força, sem qualquer autorização judicial,
impediu que uma manifestação de solidariedade à greve dos metroviários
ocorresse, levando à prisão 13 (treze) trabalhadores e chegando ao ponto
extremo da prisão de um estudante da Faculdade de Direito da PUC/SP, Murilo
Magalhães, que acusa ter sido torturado, o que exige apuração urgente, com
bastante rigor, vez que ameaça abrir a porta ao regime ditatorial. E
convenhamos: “Ditadura nunca mais!”.
A
situação é extremante grave e nos faz indagar: que Estado é esse que agride e
prende pobres, estudantes e trabalhadores que estão lutando por construir uma
sociedade melhor, sabendo, como todos sabem, que nossa sociedade ainda tem
mesmo muito a melhorar?
Ocorre
que mesmo diante de tantos ataques, os metroviários, com apoio de diversos
segmentos da sociedade, assumindo a greve como direito fundamental e atuação
política, resolveram manter-se em luta, sendo que desta feita pela readmissão
dos trabalhadores ilegalmente dispensados. Prometem paralisação no dia
12/06/14, dia do jogo de abertura da Copa em São Paulo, caso não haja reversão
dessa situação.
Nesse
quadro, o que vai fazer o governo do Estado? Vai render-se às evidências e
reconhecer o direito de greve dos metroviários e sentar-se, com
responsabilidade, para uma negociação? Ou vai manter-se na ilegalidade,
promovendo, por consequência, a ocorrência de uma situação de total desarranjo
na cidade de São Paulo justamente no dia em que o mundo terá seus olhos
voltados para cá? Vai mandar baixar o cacete nos trabalhadores, conduzindo-os
coercitivamente ao trabalho? Vai mandar prender todos que forem às ruas em
solidariedade aos metroviários? Vai determinar a prisão, sem processo, de 70%
da população que apóia a greve? Vai calar as falas contrárias à política de
criminalização dos movimentos sociais e estudantis e, agora, das reivindicações
trabalhistas? Vai usar a força policial para impedir que se apurem as acusações
de corrupção envolvendo o Metrô?
E
depois? Nas eleições? Vai ameaçar de prisão a quem declarar voto em outro
candidato?
É
meu caro, a escalada repressiva e autoritária em um país que, enfim, respira a
democracia e está disposto a vivenciá-la, tem seu preço...
Enfim:
e agora, Geraldo?
São
Paulo, 11 de junho de 2014.
(*) Professor
livre-docente da Faculdade de Direito da USP.
[1]. SÜSSEKIND, Arnaldo e
outros. Instituições de Direito do Trabalho. 21ª ed. Vol. I. São Paulo:
Ltr, 2003, p. 576.
[2]. LAMARCA, Antônio. Manual
das justas causas. São Paulo: LTr. 1977, p. 367.
[3]. Curso de Direito
do Trabalho. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 557.
[4]. SÜSSEKIND, Arnaldo e
outros. Instituições de Direito do Trabalho. 21ª ed. Vol. I. São Paulo:
Ltr, 2003, p. 576.
[5]. LAMARCA, Antônio. Manual
das justas causas. São Paulo: LTr, 1977, p. 362.
Olá, muito legal. Parabéns
ResponderExcluirTá acabando minha licença maternidade ,não tenho com quem deixar meu bebé ,o que eu faço?
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