Hoje
o Diário de Um Advogado Trabalhista expõe uma tese crescente perante os magistrados
da Justiça do Trabalho, que é a condenação “ex officio” por Dumping Social nos
dissídios individuais. Corolário disso, o empregador deve ressarcir o Dano
Social causado. Como restará demonstrado, a prática reiterada de violações a
direitos trabalhistas elementares acaba afetando toda a ordem jurídica social
vigente, e até mesmo a ordem econômica.
Mensagem
do Blogueiro: Forte abraço para os amigos leitores, aos mais de 4000 assinantes da nossa
Newsletter (gratuita – inscrição na coluna à esquerda), aos visitantes
“ilustres” / personalidades / “Blogueiros” que adicionam suas “faces” aí à
direita, aos amigos e conhecidos que compartilham nosso conteúdo no Facebook
através do botão “Curtir”, aos grande número de novos visitantes diários que
chegam pelo Google pela primeira vez, aos seguidores da nossa Marca no Twitter
(@D_Trabalhista). Vamos em frente.
Amigos, este escriba tem a lhes dizer que existe um
número não desprezível (e crescente) de decisões na Justiça do Trabalho que vem
acolhendo a tese do Dano à Sociedade (Dano Social / Dumping Social) para
condenar – ex officio - certas empresas que reiteradamente praticam ilícitos trabalhistas,
mas que, ao final, também são prejudiciais para toda a sociedade.
Eu, apenas um esforçado estudioso do Direito do
Trabalho, já conhecia desde os idos de 2007 esta tese do Dumping Social e suas
possíveis violações à ordem pública vigente. Tanto da ordem social, quanto da
própria ordem econômica. Era uma teoria apenas estudada academicamente, de
autoria do ilustre Jurista e Magistrado Jorge Luiz Souto Maior. Quase uma utopia,
mas confesso que sempre fui simpatizante.
Ocorre que, nos últimos tempos tenho verificado que
cada vez mais julgados de diversos TRTs estão acolhendo a proposta de Souto
Maior, através de um ativismo judicial, ou seja, sem que haja pedido específico
neste particular.
Quais
são as premissas teóricas do Dano/Dumping Social?
Vou fazer um apertado resumo aqui, mas, de verdade,
eu sugiro que o leitor continue sua
leitura nesta postagem e leia integralmente o Voto de um julgamento em que foi
Relator o próprio Jorge Luiz Souto Maior. Concordando ou não, existem
muitas informações e bases jurídicas relevantes a serem pensadas. Vamos lá:
1ª
Premissa: Os Direitos Sociais do Trabalho são assegurados
pela Constituição nos capítulos mais relevantes, e remetem diretamente ao
pressuposto maior da dignidade da pessoa humana;
O que pretendo transmitir, é que o Direito Social
foi incorporado às Constituições como valor essencial. Essa noção axiológica faz
com que o Direito Social, como os Direitos Humanos em geral, tenha incidência
na realidade independente de uma lei que o prescreva expressamente e, se
necessário, até contrariando alguma lei existente. Eficácia imediata e
horizontal, tal como já defendi em postagens anteriores aqui neste Blog.
2ª
Premissa: A empresa, regra geral, é internamente um ente
coletivo de pessoas. Logo possui a responsabilidade social de preservar os
direitos elementares dos trabalhadores, bem como a integridade e higidez física
dos mesmos. É a função social da
propriedade, estendida, inclusive para a coletividade externa da
empresa, tais como consumidores, governo, etc..
3ª
Premissa: Não é qualquer violação ou sonegação a direitos
do trabalhador que motivam as condenações ao ressarcimento do Dano Social,
decorrente do Dumping Social;
O magistrado, estimulado pela sua sensibilidade e
convencimento, percebe que a mesma empresa pratica reiteradamente a mesma falta
jurídica, e se convence que a simples condenação ao pagamento dos haveres
pecuniários trabalhistas do empregado não é suficiente, porque em si não
desencoraja o agente (empregador) contumaz e convicto que a ordem jurídica trabalhista
acaba sendo incapaz de inibir lucros
advindos das sonegações dos direitos de seus empregados. Até mesmo porque, mais
da metade dos sujeitos lesados sequer procuram a Justiça do Trabalho para reclamarem
seus direitos.
4ª Premissa: A sonegação de direitos
trabalhistas pode ser entendida como ofensa a própria ordem econômica, traduzindo
concorrência desleal em relação aos demais empregadores que cumprem observância
à legislação trabalhista.
Isto implica, portanto, dano a outros empregadores não identificados
que, inadvertidamente, cumprem a legislação trabalhista; ou que, de certo modo
e pior ainda, se vêem forçados a agir da mesma forma. Resultado: precarização
completa das relações sociais, que se baseiam na lógica do capitalismo de
produção.
Daí porque “dumping social”, que prejudica a toda a sociedade e óbvio, igualmente,
que o aparato judiciário não será nunca suficiente para dar vazão às inúmeras demandas
em que se busca, meramente, a recomposição da ordem jurídica na perspectiva
individual, o que representa um desestímulo para o acesso à justiça e um
incentivo ao descumprimento da ordem jurídica.
5ª
Premissa: O fundamento para a atuação ex officio do Juiz
está no artigo. 84 do Código do Consumidor, que garante - à semelhança e em
comunicação com o ordenamento jurídico vigente (dialogo de fontes – proteção ao
hipossuficiente), ao juiz a possibilidade de proferir decisão alheia ao pedido
formulado, visando a assegurar o resultado equivalente ao do adimplemento:
Código
do Consumidor, Art. 84. “Na ação que tenha por objeto o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da
obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento”.
Bem, amigos leitores. É lógico que estou longe de
esgotar este tema que é ao mesmo tempo interessante e é também reflexo de um
ideário do mundo perfeito, justo e socialmente desejado. Mas temos que tomar
cuidado para não “estatizar” demais a atividade econômica privada,
principalmente neste momento em que o Brasil vive uma fase de completa desproteção
de seu parque industrial, que aos poucos vai sucumbindo à concorrência das
correspondentes estrangeiras, e justamente pela prática de diversos tipos de
Dumping (Tributário, Social, Econômico, etc..);
Logo abaixo, o Diário de Um Advogado Trabalhista
reproduz uma ementa da 6ª Turma do TRT da 15ª Região (Campinas) condenando uma
empresa ao ressarcimento do Dano Social da coletividade em decorrência da
prática de Dumping Social. Vale a pena separar um tempinho para ler a integra
do Voto do acórdão. É enriquecedor, mesmo que ao final o amigo leitor não
concorde.
A EMENTA
ACÓRDÃO
PROCESSO TRT/15a. No.
0049300-51-2009-5-15-0137
RECURSO
ORDINÁRIO
RECORRENTE:
FLÁVIA REGINA DA SILVA MACIEL
RECORRIDO:
PUNTO ESATTO COMÉRCIO DE CALÇADOS LTDA.
ORIGEM:
VARA DO TRABALHO DE PIRACICABA.
EMENTA: DANO SOCIAL
(“DUMPING SOCIAL”). IDENTIFICAÇÃO:
DESRESPEITO DELIBERADO E REITERADO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. REPARAÇÃO:
INDENIZAÇÃO “EX OFFICIO” EM RECLAMAÇÕES INDIVIDUAIS. Importa compreender
que os direitos sociais são o fruto do compromisso firmado pela humanidade para
que se pudesse produzir, concretamente, justiça social dentro de uma sociedade
capitalista. Esse compromisso, fixado em torno da eficácia dos Direitos
Sociais, se institucionalizou em diversos documentos internacionais nos
períodos pós-guerra, representando, também, um pacto para a preservação da paz
mundial. Esse capitalismo socialmente responsável perfaz-se tanto na
perspectiva da produção de bens e oferecimento de serviços quanto na ótica do
consumo, como faces da mesma moeda. Deve pautar-se, também, por um sentido
ético, na medida em que o desrespeito às normas de caráter social traz para o
agressor uma vantagem econômica frente aos seus concorrentes, mas que, ao
final, conduz todos ao grande risco da instabilidade social. As agressões ao
Direito do Trabalho acabam atingindo uma grande quantidade de pessoas, sendo
que destas agressões o empregador muitas vezes se vale para obter vantagem na
concorrência econômica com relação a vários outros empregadores. Isto implica
dano a outros empregadores não identificados que, inadvertidamente, cumprem a
legislação trabalhista, ou que, de certo modo, se vêem forçados a agir da mesma
forma. Resultado: precarização completa das relações sociais, que se baseiam na
lógica do capitalismo de produção. O desrespeito deliberado, inescusável e
reiterado da ordem jurídica trabalhista, portanto, representa inegável dano à
sociedade. Óbvio que esta prática traduz-se como “dumping social”, que
prejudica a toda a sociedade e óbvio, igualmente, que o aparato Judiciário não
será nunca suficiente para dar vazão às inúmeras demandas em que se busca,
meramente, a recomposição da ordem jurídica na perspectiva individual, o que
representa um desestímulo para o acesso à justiça e um incentivo ao
descumprimento da ordem jurídica. Assim, nas reclamações trabalhistas em que
tais condutas forem constatadas (agressões reincidentes ou ação deliberada, consciente
e economicamente inescusável de não respeitar a ordem jurídica trabalhista),
tais como: salários em atraso; salários “por fora”; trabalho em horas extras de
forma habitual, sem anotação de cartão de ponto de forma fidedigna e o
pagamento correspondente; não recolhimento de FGTS; não pagamento das verbas
rescisórias; ausência de anotação da CTPS (muitas vezes com utilização
fraudulenta de terceirização, cooperativas de trabalho, estagiários,
temporários, pejotização etc.); não concessão de férias; não concessão de
intervalo para refeição e descanso; trabalho em condições insalubres ou
perigosas, sem eliminação concreta dos riscos à saúde etc., deve-se proferir
condenação que vise a reparação específica pertinente ao dano social
perpetrado, fixada “ex officio” pelo juiz da causa, pois a perspectiva não é a
da mera proteção do patrimônio individual, sendo inegável, na sistemática
processual ligada à eficácia dos Direitos Sociais, a extensão dos poderes do
juiz, mesmo nas lides individuais, para punir o dano social identificado.
O VOTO
(.......)
“
A
respeito do dano social, acrescento, os seguintes argumentos:
Destaque-se,
inicialmente, o Enunciado n. 4, da 1ª. Jornada de Direito Material e Processual
da Justiça do Trabalho, organizada pela Anamatra e realizada nos dias 21 a 23
de novembro de 2007, no Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, com o
seguinte teor:
“’DUMPING SOCIAL’. DANO
À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos
direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática
desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio
modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência.
A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a
necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade
configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola
limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do
Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o
fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização
suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, “d”, e 832, § 1º, da CLT.”
Importa
compreender que os direitos sociais são o fruto do compromisso firmado pela
humanidade para que se pudesse produzir, concretamente, justiça social dentro
de uma sociedade capitalista. Esse compromisso em torno da eficácia dos
Direitos Sociais se institucionalizou em diversos documentos internacionais nos
períodos pós-guerra, representando também, portanto, um pacto para a
preservação da paz mundial. Sem justiça social não há paz, preconiza o
preâmbulo da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Quebrar esse pacto
significa, por conseguinte, um erro histórico, uma traição a nossos
antepassados e também assumir uma atitude de descompromisso com relação às
gerações futuras.
Os
Direitos Sociais (Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social, com
inserção nas Constituições) constituem a fórmula criada para desenvolver o que
se convencionou chamar de capitalismo socialmente responsável.
Sob
o ângulo exclusivo do positivismo jurídico pátrio, é possível, ademais,
constatar que o Direito Social, por via reflexa, atinge outras esferas da vida
em sociedade: o meio-ambiente; a infância; a educação; a habitação; a
alimentação; a saúde; a assistência aos necessitados; o lazer (art. 6o., da
Constituição Federal brasileira), como forma de fazer valer o direito à vida na
sua concepção mais ampla. Neste sentido, até mesmo valores que são normalmente,
indicados como direitos liberais por excelência, a liberdade, a igualdade, a
propriedade, são atingidos pela formação de um Direito Social e o seu
conseqüente Estado Social. Prova disso são as diversas proposições contidas na
Constituição brasileira. A propósito, destaque-se que o valor social do
trabalho e a proteção da dignidade humana foram alçados a princípios
fundamentais da República (art. 1o., incisos III, e IV), assim como também se
deu com o objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art.
3o., inciso I) e que o Brasil rege-se nas suas relações internacionais seguindo
o princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4o., inciso II).
Além
disso, vale lembrar que os direitos sociais, conforme definição do art. 6o. e
aos quais se integrou a especificação dos direitos de natureza trabalhista
(arts. 7o. a 9o.), foram inseridos no título “Dos Direitos e Garantias
Fundamentais”, juntamente com os direitos individuais (art. 5o.), nos quais se
prevê, ademais, expressamente, que a “propriedade atenderá a sua função social”
(inciso XXIII), tendo sido incorporados, portanto, à cláusula pétrea da
Constituição, conforme bem acentua Paulo Bonavides: “só uma hermenêutica
constitucional dos direitos fundamentais em harmonia com os postulados do
Estado Social e democrático de direito pode iluminar e guiar a reflexão do
jurista para a resposta alternativa acima esboçada, que tem por si a base de
legitimidade haurida na tábua dos princípios gravados na própria Constituição
(arts. 1o., 3o. e 170) e que, conforme vimos, fazem irrecusavelmente
inconstitucional toda inteligência restritiva da locução jurídica ‘direitos e
garantias individuais’ (art. 60, 4o., IV), a qual não pode, assim, servir de
argumento nem de esteio à exclusão dos direitos sociais” .
O
fato é que, como se pode ver, o Direito Social, não é apenas uma normatividade
específica. Trata-se, isto sim, de uma regra de caráter transcendental, que
impõe valores à sociedade e, conseqüentemente, a todo ordenamento jurídico. E
que valores são estes? Os valores são: a solidariedade (como responsabilidade
social de caráter obrigacional), a justiça social (como conseqüência da
necessária política de distribuição dos recursos econômicos e culturais
produzidos pelo sistema), e a proteção da dignidade humana (como forma de
impedir que os interesses econômicos suplantem a necessária respeitabilidade à
condição humana).
Importante,
ademais, compreender que a imposição desses valores se dá tanto ao Estado, como
propulsor das políticas de promoção social e de garantidor das normas jurídicas
sociais, quanto a todos os cidadãos, nas suas correlações intersubjetivas.
O
Direito Social, portanto, não apenas se apresenta como um regulador das
relações sociais, ele busca promover, em concreto, o bem-estar social,
valendo-se do caráter obrigacional do direito e da força coercitiva do Estado.
Para o Direito Social a regulação não se dá apenas na perspectiva dos efeitos
dos atos praticados, mas também e principalmente no sentido de impor,
obrigatoriamente, a realização de certos atos.
Esse
capitalismo socialmente responsável perfaz-se tanto na perspectiva da produção
de bens e oferecimento de serviços quanto na ótica do consumo, como faces da
mesma moeda. Deve pautar-se, também, por um sentido ético, na medida em que o
desrespeito às normas de caráter social traz para o agressor uma vantagem
econômica frente aos seus concorrentes, mas que, ao final, conduz a todos ao
grande risco da instabilidade social.
O
desrespeito aos direitos trabalhistas representa, conseqüentemente, um crime
contra a ordem econômica, conforme definido no art. 20, inciso I, da Lei n.
8.884/94 , punível na forma do art. 23, inciso I, da mesma lei . Nos termos da
lei em questão, “Serão solidariamente responsáveis as empresas ou entidades
integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, que praticarem infração
da ordem econômica” (art. 17), o que elimina, aliás, qualquer possibilidade de
discussão quanto à responsabilidade de todas as empresas (tomadoras,
prestadoras etc.) que, de algum modo, beneficiam-se economicamente da
exploração do trabalho humano sem respeito ao retorno social necessariamente
conseqüente.
O
art. 170 da Constituição brasileira é claro ap estipular que “a ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social”, observados, dentre outros, os princípios da função social da propriedade
(inciso III) e da busca do pleno emprego (inciso VIII). O próprio Código Civil
não passou em branco a respeito, fixando a função social do contrato (art. 421
e § 1º. Do art. 1.228).
Todas
essas normas, por óbvio, não podem ser tidas como sem qualquer significação. A
sua relevância parte do reconhecimento de que uma sociedade, que se desenvolve
nos padrões do capitalismo, para sobreviver, depende da eficácia das normas do
Direito Social, pois esse é o seu projeto básico de desenvolvimento.
A
eficácia das normas de natureza social depende, certamente, dos profissionais
do direito (advogados, juízes, procuradores, professores, juristas em geral),
mas também de um sentido ético desenvolvido em termos concorrenciais, para que
reprimendas sejam difundidas publicamente aos agressores da ordem jurídica
social a fim de que a sociedade tenha ciência da situação, desenvolvendo-se uma
necessária reação até mesmo em termos de um consumo socialmente responsável,
com favorecimento às empresas que têm no efetivo respeito aos direitos sociais
o seu sentido ético.
A
responsabilidade social, tão em moda, não pode ser vista apenas como uma
“jogada” de marketing, como se a solidariedade fosse um favor, um ato de
benevolência. Na ordem jurídica do Estado Social as empresas têm obrigações de
natureza social em razão de o próprio sistema lhes permitir a busca de lucros
mediante a exploração do trabalho alheio. Os limites dessa exploração para a
preservação da dignidade humana do trabalhador, o respeito a outros valores
humanos da vida em sociedade e o favorecimento da melhoria da condição
econômica do trabalhador, com os custos sociais conseqüentes, fixam a essência
do modelo de sociedade que a humanidade pós-guerra resolveu seguir e do qual a
Constituição brasileira de 1988 não se desvinculou, como visto.
O
Direito Social foi incorporado às Constituições como valor essencial. Essa
noção axiológica faz com que o Direito Social, como os Direitos Humanos em
geral, tenha incidência na realidade independente de uma lei que o prescreva
expressamente e, se necessário, até contrariando alguma lei existente. A partir
da verificação dos horrores da 2ª. Guerra mundial, a humanidade entendeu que o
desrespeito às normas ligadas aos direitos humanos constitui um crime contra a
humanidade (vide o julgamento de Nuremberg).
O
que a humanidade espera dos juízes, conseqüentemente, é que não flexibilizem os
conceitos pertinentes aos direitos humanos (intimidade, privacidade, liberdade,
não discriminação, dignidade), assim como os preceitos insertos no Direito
Social (direito à vida, à saúde, à educação, ao trabalho digno, à infância, à
maternidade, ao descanso, ao lazer), pois as conveniências políticas podem
conduzir a criação de leis que satisfaçam interesses espúrios (vide, neste
sentido, o filme Sessão Especial de Justiça), flexibilidade esta da qual,
aliás, aproveitam-se para florescer os regimes ditatoriais.
Os
Direitos Sociais, portanto, não podem ser reduzidos a uma questão de custo. Não
é próprio desse modelo de sociedade vislumbrar meramente saídas imediatistas de
diminuição de custo da produção, pois que isso significa quebrar o projeto de
sociedade sem pôr outro em seu lugar. É o caos das próprias razões. Afinal, há
muito se base: a soma da satisfação dos interesses particulares não é capaz de
criar um projeto de sociedade.
Em
nossa realidade, no entanto, várias têm sido as situações de desrespeito pleno
aos direitos trabalhistas e, conseqüentemente, à pessoa do trabalhador. Pode-se
pensar que isso se dá involuntariamente em razão de uma questão de dificuldade
econômica, mas não é bem assim. Claro, a dificuldade econômica também existe,
mas o que preocupa mais são as atitudes deliberadas de grandes empresas (que
não têm problemas econômicos) de descumprir seu papel social (ao mesmo tempo em
que se anunciam para o público em geral como “socialmente responsáveis”). As
terceirizações, subcontratações, falências fraudulentas, táticas de
fragilização do empregado (como falta de registro, transformação do trabalhador
em pessoa jurídica, dispensas sem pagamento de verbas rescisórias, justas
causas fabricadas) têm imposto a milhões de cidadãos brasileiros um enorme
sacrifício quanto a seus direitos constitucionalmente consagrados, sendo que
tal situação tem, como visto, enorme repercussão no custo social
(principalmente no que tange à seguridade social, à saúde e à educação) e no desenvolvimento econômico (diminuição do
mercado interno), favorecendo, portanto, apenas às empresas multinacionais, ou
seja, as que possuem capital estrangeiro, que produzem para o exterior,
atendendo a propósitos monopolistas e com isso levando à falência as pequenas e
médias empresas nacionais, e que irão embora quando sentirem que nossa
sociedade não deu certo. Interessante perceber, também, que a lógica da
precarização é mais facilmente implementada em grandes conglomerados
empresariais, marcados pela impessoalidade, do que em pequenos empreendimentos
nos quais o contato humano entre o patrão e o empregado é muito maior,
assumindo, às vezes, aspectos até de certo modo familiares. Dentro desse
contexto as pequenas e médias empresas são, igualmente, vítimas (apenas estão
identificando de forma equivocada o seu algoz).
Em
muitas outras situações assiste-se a participação do próprio Estado nesta
exploração, utilizando-se das táticas de redução de custo: contratação de
pessoas sem concurso público; utilização da “terceirização” para prestação de
serviços; e licitações pelo menor custo para construção de obras. Como
resultado, o Estado reduz seu custo, as empresas ganhadoras das licitações
adquirem seus ganhos e os trabalhadores executam os seus serviços, mas não
recebem, integralmente, seus direitos.
As pontes, as ruas, as estradas, os túneis, são construídos à custa do
sacrifício dos direitos sociais.
O
desrespeito deliberado e inescusável da ordem jurídica trabalhista, portanto,
representa inegável dano à sociedade.
Cumpre
verificar que o próprio Direito Civil avançou no reconhecimento da situação de
que vivemos em uma “sociedade de produção em massa” . Atualmente, nos termos
dos arts. 186 e 187 do Código Civil, aquele que, ultrapassando os
limites impostos pelo fim econômico ou social, gera dano ou mesmo expõe o
direito de outrem a um risco comete ato
ilícito. O ilícito, portanto, tanto se perfaz pela provocação de um dano a
outrem, individualmente identificado, quanto pela desconsideração dos
interesses sociais e econômicos, coletivamente considerados. Na ocorrência de
dano de natureza social, surge, por óbvio, a necessidade de se apenar o autor
do ilícito, para recuperar a eficácia do ordenamento, pois um ilícito não é
mero inadimplemento contratual e o valor da indenização, conforme prevê o art.
944, do CC, mede-se pela extensão do dano, ou seja, considerando o seu aspecto
individual ou social. Como já advertira Paulo Eduardo Vieira de Oliveira , o
efeito do ato ilícito é medido, igualmente, sob o prisma da integridade social.
Rompidas
foram, pois, em termos de definição do ilícito e de sua reparação, as
fronteiras do individualismo.
No
aspecto da reparação, o tema em questão atrai a aplicação do provimento
jurisdicional denominado na experiência americana de fluid recovery ou
ressarcimento fluído ou global, quando o juiz condena o réu de forma que também
o dano coletivo seja reparado, ainda que não se saiba quantos e quais foram os
prejudicados e mesmo tendo sido a ação intentada por um único indivÍduo que
alegue o próprio prejuízo.
O
renomado autor italiano, Mauro Cappelletti, desde a década de 70 já preconiza
essa necessária avaliação da realidade. Como diz o referido autor, “Atividades
e relações se referem sempre mais freqüentemente a categorias inteiras de
indivíduos, e não a qualquer indivíduo, sobretudo. Os direitos e os deveres não
se apresentam mais, como nos Códigos tradicionais, de inspiração
individualista-liberal, como direitos e deveres essencialmente individuais, mas
meta-individuais e coletivos” . “Continuar, segundo a tradição individualista
do modelo oitocentista, a atribuir direitos exclusivamente a pessoas
individuais (....) significaria tornar impossível uma efetiva proteção jurídica
daqueles direitos, exatamente na ocasião em que surgem como elementos cada vez
mais essenciais para a vida civil.”
Na
perspectiva da reparação dos interesses e direitos coletivos (sociais), esse
autor demonstra a insuficiência das soluções jurídicas que mantêm a
legitimidade da correção no âmbito das ações individuais dos lesados, nos
limites estritos de seu dano, e mesmo de outras que conferem, de forma
hegemônica, ao Ministério Público a legitimidade para essa defesa.
No
aspecto da legitimidade individual esclarece Mauro Cappelletti:
“O
indivíduo ‘pessoalmente lesado’, legitimado a agir exclusivamente para a
reparação do dano a ele advindo, não está em posição de assegurar nem a si
mesmo nem à coletividade uma adequada tutela contra violações de interesses
coletivos.”
“...a
eventual demanda, limitando-se ao dano advindo a apenas um entre milhares ou
milhões de prejudicados, será privada de uma eficaz conseqüência, preventiva ou
repressiva, nos cotejos do prejudicado e a vantagem da coletividade.”
Sobre
a exclusividade de ação ao Ministério Público, repetindo outros autores,
posiciona-se o autor no sentido de que o Ministério Público é “inclinado a não
agir”, em razão de diversas limitações estruturais.
Esse
autor preconiza, portanto, que se ampliem os sujeitos legitimados para agir na
perspectiva coletiva, incluindo entidades privadas. Esclarece, no entanto, que
isso não é suficiente, demonstrando a essencialidade da “extensão dos poderes
do juiz”, que não deve mais limitar-se “a determinar o ressarcimento do ‘dano
sofrido’ pela parte agente, nem, em geral, a decidir questões com eficácia
limitada às partes presentes em juízo. Ao contrário, o juiz é legitimado a
estender o âmbito da própria decisão, de modo a compreender a totalidade do
dano produzido pelo réu, e, em geral, a decidir eficazmente mesmo às absent
parties ou precisamente erga omnes. É a revolução dos conceitos tradicionais de
responsabilidade civil e de ressarcimento dos danos, como também daqueles de
coisa julgada e do princípio do contraditório”.
Mais
adiante em seu texto reafirma:
“...os
efeitos das decisões devam estender-se também aos sujeitos não presentes na
causa.”
“...no
campo mais tradicional do ressarcimento do dano, não se deve mais reparar só o
dano sofrido (pelo autor presente em Juízo), mas o dano globalmente produzido
(pelo réu à coletividade inteira). Se de fato o juiz devesse, por exemplo,
limitar-se a condenar a indústria poluente a ressarcir só o dano advindo a
qualquer autor, uma tal demanda teria raramente um efeito determinante:
normalmente, o comportamento poluente continuaria imperturbado, porque o dano a
compensar ao autor esporádico seria sempre mais inferior aos custos necessários
para evitar qualquer comportamento.”
Além
disso, adverte o autor em questão para algo extremamente importante, qual seja,
o fato de que apenas o ressarcimento dos danos individuais, ainda que
coletivamente defendidos, não atinge a esfera da necessária reparação do
ilícito cometido na perspectiva social. Como explica Cappelletti, “Se (....) o
juiz condenar o réu a ressarcir o dando causado a centenas, milhares ou, até,
milhões de membros de uma coletividade idealmente representada por aquele
autor, surgirão os grandes problemas de identificação daquelas centenas,
milhares ou milhões de pessoas; de distribuição de arrecadação entre eles; do
uso, enfim, ou a quem destinar o eventual resíduo não reclamado dos membros da
coletividade” , surgindo daí a necessidade do já mencionado provimento
jurisdicional do fluid recovery (ressarcimento fluído) para que o ilícito seja
reprimido integralmente, não se restringindo, pois, apenas ao aspecto dos
interesses individuais.
É
fácil compreender o que disse o mestre italiano quando vislumbramos a realidade
atual das agressões aos direitos trabalhistas no Brasil.
A
legitimidade estrita ao lesado, individualmente considerado, é insuficiente e a
legitimidade coletiva, conferida ao Ministério Público do Trabalho e aos
sindicatos, não tem sido, reconhecidamente, satisfatória para a correção da
realidade, nem mesmo contanto com a atuação fiscalizatória do Ministério do
Trabalho e Emprego, tanto que ela está aí consagrada, como é de conhecimento de
todos.
Muitas
vezes as lesões não têm uma repercussão econômica muito grande e os lesados,
individualmente, não se sentem estimulados a ingressar com ações em juízo e nem
mesmo os entes coletivos dão a tais lesões a devida importância. Outras vezes,
mesmo tendo repercussão econômica palpável, muitos trabalhadores deixam de
ingressar em juízo com medo de não conseguirem novo emprego, pois impera em
nossa realidade a cultura de que mover ação na Justiça é ato de rebeldia. O
agressor da ordem jurídica trabalhista conta, portanto, com o fato conhecido de
que nem todos os trabalhadores lhe acionam na Justiça (na verdade os que o
fazem sequer são a maioria). Conta, ainda, com: o prazo prescrional de 05
(cinco) anos; a possibilidade de acordo (pelo qual acaba pagando bem menos do
que devia); e a demora processual. Assim, mesmo considerando os juros
trabalhistas de 1% ao mês não capitalizados e a correção monetária, não
cumprir, adequadamente, os direitos trabalhistas, tornou-se entre nós uma
espécie de “bom negócio”, como já advertira o ex-Presidente do TST, o saudoso
Orlando Teixeria da Costa.
As
agressões ao Direito do Trabalho acabam atingindo uma grande quantidade de
pessoas, sendo que destas agressões o empregador muitas vezes se vale para
obter vantagem na concorrência econômica com relação a vários outros
empregadores. Isto implica, portanto, dano a outros empregadores não
identificados que, inadvertidamente, cumprem a legislação trabalhista, ou que,
de certo modo, se vêem forçados a agir da mesma forma. Resultado: precarização
completa das relações sociais, que se baseiam na lógica do capitalismo de
produção.
Óbvio
que esta prática traduz-se como “dumping social”, que prejudica a toda a
sociedade e óbvio, igualmente, que o aparato judiciário não será nunca suficiente
para dar vazão às inúmeras demandas em que se busca, meramente, a recomposição
da ordem jurídica na perspectiva individual, o que representa um desestímulo
para o acesso à justiça e um incentivo ao descumprimento da ordem jurídica.
Nunca
é demais recordar, que descumprir, deliberada e reincidentemente, a legislação
trabalhista, ou mesmo pôr em risco sua efetividade, representa um
descomprometimento histórico com a humanidade, haja vista que a formação do
direito do trabalho está ligada diretamente com o advento dos direitos humanos
que foram consagrados, fora do âmbito da perspectiva meramente liberal do
Século XIX, a partir do final da 2a. guerra mundial, pelo reconhecimento de que
a concorrência desregrada entre as potências econômicas conduziu os países à
conflagração.
Já
passou, portanto, da hora do Judiciário trabalhista brasileiro tomar pulso da
situação e reverter esse quadro, que não tem similar no mundo. Há algum tempo
atrás, mesmo que indevidamente, porque alheio a uma análise jurídica mais profunda,
até se poderia sustentar que a culpa pela situação vivida nas relações de
trabalho, quanto ao descumprimento da legislação trabalhista, não seria dos
juízes, mas de uma legislação frágil, que não fornecia instrumentos para
correção da realidade. Hoje, no entanto, essa alegação alienada não se
justifica sob nenhum aspecto. Como visto, o próprio Código Civil, com respaldo
constitucional, apresenta-se como instrumento de uma necessária atitude
contrária aos atos que negligenciam, deliberadamente, o direito social e,
portanto, aplicando-se normas e preceitos extraídos da teoria geral do direito,
a atuação dos juízes para reparação do dano social sequer pode ser reprimida
retoricamente com o argumento de que se trata da aplicação de um direito
retrógrado originário da “mente fascista de Vargas”.
Como
critério objetivo para apuração da repercussão social das agressões ao Direito
do Trabalho, pode-se valer da noção jurídica da reincidência, trazida,
expressamente, no art. 59, da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor)
e que, no Direito Penal, constitui circunstância agravante da pena (art. 61, I,
CP) e impede a concessão de fiança (art. 323, III, CPP). Outro critério é o da
avaliação quanto a ter sido uma atitude deliberada e assumida de desrespeito à
ordem jurídica, como, por exemplo, a contratação sem anotação da Carteira de
Trabalho ou a utilização de mecanismos para fraudar a aplicação da ordem
jurídica trabalhista, valendo lembrar que o ato voluntário e inescusável é,
igualmente, um valor com representação jurídica, haja vista o disposto no
inciso LXVII, do art. 5º., da CF.
É
de suma importância compreender que com relação às empresas que habitam o
cotidiano das Varas, valendo-se da prática inescrupulosa de agressões aos
direitos dos trabalhadores, para ampliarem seus lucros, a mera aplicação do
direito do trabalho, recompondo-se a ordem jurídica individual, com pagamento
de juros e correção monetária, por óbvio, não compensa o dano experimentado
pela sociedade.
Portanto,
nas reclamações trabalhistas em que tais condutas forem constatadas (agressões
reincidentes ou ação deliberada, consciente e economicamente inescusável de não
respeitar a ordem jurídica trabalhista), tais como: salários em atraso;
pagamento de salários “por fora”; trabalho em horas extras de forma habitual,
sem anotação de cartão de ponto de forma fidedigna e o pagamento do adicional
correspondente; não recolhimento de FGTS; não pagamento das verbas rescisórias;
ausência de anotação da CTPS (muitas vezes com utilização fraudulenta de
terceirização, cooperativas de trabalho, estagiários, temporários etc.); não
concessão de férias; não concessão de intervalo para refeição e descanso;
trabalho em condições insalubres ou perigosas, sem eliminação concreta dos
riscos à saúde etc., deve-se proferir condenação que vise a reparação
específica pertinente ao dano social perpetrado, fixada “ex officio” pelo juiz
da causa, pois a perspectiva não é a da mera proteção do patrimônio individual.
Da mesma forma, a atitude deliberada, consciente e economicamente inescusável
de se agredir a ordem jurídica, com utilização de tática.
O
fato concreto é que as agressões deliberadas aos Direitos Sociais, muitas vezes
com avaliação de vantagem pelo próprio trabalhador, que aceita trabalhar sem
registro, mediante forjada formalização de uma pessoa jurídica fantasma, para
não recolher contribuição previdenciária e pagar menos imposto, ocorrem de
forma cada vez mais crescente, gerando a lógica destrutiva de uma espécie de
“pacto antisocial”.
Está
claro, então, que as práticas reiteradas de agressões deliberadas e
inescusáveis (ou seja, sem o possível perdão de uma carência econômica) aos
direitos trabalhistas constituem grave dano de natureza social, uma ilegalidade
que precisa de correção específica, que, claro, se deve fazer da forma mais
eficaz possível, qual seja, por intermédio do reconhecimento da extensão dos
poderes do juiz no que se refere ao provimento jurisdicional nas lides
individuais em que se reconhece a ocorrência do dano em questão.
A
esta necessária ação do juiz, em defesa da autoridade da ordem jurídica, sequer
se poderia opor com o argumento de que não lei que o permita agir desse modo,
pois seria o mesmo que dizer que o direito nega-se a si mesmo, na medida em que
o juiz, responsável pela sua defesa, não tem poderes para fazê-lo. Os poderes
do juiz neste sentido, portanto, são o pressuposto da razão de sua própria
existência.
De
todo modo, essa objeção traz consigo o germe de sua própria destruição na
medida em que o ordenamento jurídico pátrio, em diversas passagens, atribui
esse poder ao juiz.
Como
fundamentos positivistas da reparação do dano social é possível citar, por
exemplo, o artigo 404, parágrafo único , do Código Civil, e os artigos 832, §
1º. , e 652, “d” , da CLT, todos inseridos, aliás, no âmbito das contendas
individuais.
Lembre-se,
ademais, que o art. 81, do Código de Defesa do Consumidor, deixou claro que a
“defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas” pode ser
exercida em juízo individualmente, buscando-se uma tutela plena para o respeito
à ordem jurídica, afinal, como dito logo em seguida, no art. 83, para “a defesa
dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as
espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela” (art.
83).
Além
disso, o artigo 84, do mesmo Código, garante ao juiz a possibilidade de
proferir decisão alheia ao pedido formulado, visando a assegurar o resultado
equivalente ao do adimplemento: “Art. 84. Na ação que tenha por objeto o
cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento.” Permite-lhe, ainda, “impor multa
diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou
compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do
preceito” (§ 4º.).
Acrescenta
o § 5° que “Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático
equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e
apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de
atividade nociva, além de requisição de força policial”.
Como
se vê, a possibilidade de o juiz agir de ofício para preservar a autoridade do
ordenamento jurídico foi agasalhada pelo direito processual e no que se refere
ao respeito à regulamentação do Direito do Trabalho constitui até mesmo um
dever, pois o não cumprimento convicto e inescusável dos preceitos trabalhistas
fere o próprio pacto que se estabeleceu na formação do nosso Estado Democrático
de Direito Social, para fins de desenvolvimento do modelo capitalista em bases
sustentáveis e com verdadeira responsabilidade social. A Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT) não foi alheia ao fenômeno, atribuindo ao juiz amplos poderes
instrutórios (art. 765 ) e liberdade para solução justa do caso na perspectiva
da eqüidade, conforme previsão dos arts. 8º. e 766 , não se esquecendo da
perspectiva dos efeitos sociais, conforme regra do já citado art. 652, “d”.
A
incidência dos preceitos do Código do Consumidor, para correção das práticas
ilegais nas relações de trabalho, é inteiramente pertinente eis que o consumo
se insere na mesma lógica do capitalismo de produção que o Direito do Trabalho
regula e organiza.
A
respeito das relações de consumo, compete, ainda, verificar que vários
segmentos empresariais têm se valido da retórica da “responsabilidade social”,
para vender a sua marca. Mas, ao participarem de negócios jurídicos, que põem
em risco a eficácia dos direitos sociais, contrariam o seu próprio compromisso,
fazendo com que sua propaganda, em torno da responsabilidade social, seja
catalogada juridicamente como uma publicidade enganosa, nos termos do art. 37,
da Lei n. 8.078/90, definida como crime no artigo 66 da mesma Lei, punível com
“detenção de três meses a um ano e multa”.
Destaque-se
que “a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais
coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou
impostas no fornecimento de produtos e serviços” é um direito dos consumidores,
conforme artigo 6º., inciso IV, da Lei n. 8.078/90.
No
aspecto da punição ao agressor da ordem jurídica com repercussão social, dispõe
o art. 78, da Lei n. 8.078/90, que “Além das penas privativas de liberdade e de
multa, podem ser impostas, cumulativa ou alternadamente, observado o disposto
nos arts. 44 a 47, do Código Penal: I - a interdição temporária de direitos; II
- a publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às
expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação; III - a
prestação de serviços à comunidade.”
Grande
relevo tem a providência do inciso II, já que o consumo socialmente responsável
é um dever jurídico no Estado Social, mas para que seja exercido é essencial
que a sociedade tenha conhecimento dos atos ilícitos praticados. O direito à
informação, ademais, é expressamente catalogado como direito básicos do
consumidor (art. 6º., inciso III: “a informação adequada e clara sobre os
diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que
apresentem”.
Aliás,
faz parte Da Política Nacional de Relações de Consumo a necessária “educação e
informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres,
com vistas à melhoria do mercado de consumo”, nos termos do inciso IV, do art.
4º., da Lei n. 8.078/90, sendo relevante recordar que o direito à informação é
preceito fundamental do respeito ao princípio da boa-fé objetiva, essencial no
desenvolvimento de uma sociedade sadia.
Nem
se diga que faltaria à Justiça do Trabalho competência para aplicar todas essas
regras, afinal a política econômica, o consumo e as relações de trabalho estão
ligadas de forma indissolúvel à mesma lógica. Além disso, os efeitos jurídicos
dos ilícitos constados fazem parte da competência derivada. Lembre-se, a
propósito, que a Emenda Constitucional 45 de 2004 atribuiu à Justiça do
Trabalho competência para todas as repercussões jurídicas relativas à
exploração do trabalho humano no contexto produtivo, conferindo-lhe, inclusive,
a tarefa de executar as contribuições previdenciárias decorrentes das suas
decisões. Há quem diga, com razão, que mesmo a competência penal relativa às
questões trabalhistas foi conduzida à Justiça do Trabalho, sendo relevante
destacar que também o direito penal preocupou-se com o desrespeito à ordem
jurídica trabalhista, definindo como crime a conduta de “Frustrar, mediante
fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho” (art.
203), com pena de “detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena
correspondente à violência”.
Diante
de tudo isso, o que se espera do Judiciário é que faça valer todo o aparato
jurídico para manter a autoridade do ordenamento jurídico no aspecto da
eficácia das normas do Direito Social, não fazendo vistas grossas para a
realidade, não fingindo que desconhece a realidade em que vive, e não
permitindo que as fraudes à legislação trabalhista tenham êxito. Sobretudo,
exige-se do Judiciário que reconheça ser sua a obrigação de tentar mudar a
realidade quando em descordo com o Direito.
Vale
repisar que a tentativa de inibir as ações corretivas, pondo em discussão qual
seria o ente legítimo para receber a reparação de cunho social, não tem a menor
razão de ser, como acima delineado. Concretamente, a forma de se fixarem a
reparação e o beneficiário da obrigação determinada não são o mais importante.
Não se podem pôr como obstáculos à ação concreta para reparação do dano social,
que visa revitalizar a autoridade da ordem jurídica, as discussões processuais
em torno da legitimidade e dos limites da ação do juiz ao pedido formulado. O
que se exige do juiz é que, diante do fato demonstrado, que repercute no
interesse social, penalize o agressor para desestimulá-lo na repetição da
prática e para compensar o benefício econômico já obtido. A medida corretiva,
assim, vai desde a condenação ao pagamento de uma indenização adicional (ou
suplementar), destinada ao autor da ação individual, em virtude da facilidade
de implementação da medida, até a determinação de obrigações de fazer, voltadas
a práticas de atos em benefício da comunidade.
Poder-se-ia,
então, condenar o agressor do interesse social a pagar uma multa (com caráter
indenizatório), com reversão para algum ente estatal, ou mesmo para alguma ONG
(que atue na área social). Mas, isso, sinceramente, não me parece aceitável.
Com relação ao Estado, porque destinar a ele o dinheiro é uma incoerência, na
medida em que a situação só se concretizou por ter ele descumprido o seu papel
no que tange à fiscalização. Com relação às ONGs, porque não há controle
efetivo sobre a destinação da verba. De todo modo, como dito, não é esta a
questão que interessa. Quem achar que a reparação do dano social, reconhecido
nas ações individuais, deva ter essa destinação que o faça, pois o que importa
é o efeito prático de recomposição da autoridade do ordenamento. O que não se
pode, de jeito algum, é deixar que o dano social, reconhecido perante um ou
vários processos judiciais, reste impune.
A
2ª. reclamada, que, inegavelmente, é uma potência econômica mundial, vale-se de
uma pretensa impunidade para utilizar de técnica internacionalmente condenada,
do “merchandage”, ou seja, da intermediação de mão-de-obra como mecanismo de
mercantilização do trabalho humano, para incremento de sua atividade. Sua
postura, obviamente, enquadra-se nos fundamentos acima expostos, exigindo, por
isso, a devida reprimenda jurídica.
Em
âmbito mundial, aliás, vários são os exemplos de penalização das empresas que
descumprem seus compromissos sociais em termos de preservação de direitos
humanos. Muito se fala a respeito da proteção do meio-ambiente, mas é óbvio que
a proteção do ser humano está em primeiro plano, pois um meio ambiente saudável
sem homens saudáveis que dele possam usufruir nada vale.
Roberto
Basilone Leite, em sua obra, Introdução do Estudo do Consumidor , traz uma
análise de caso paradigmático dessa atuação jurisdicional corretiva, ocorrido
nos EUA. Trata-se do caso Gore vs BMW, do qual se extraiu o princípio jurídico
do desestímulo, que é “princípio oriundo do Direito Penal, apropriado pela
doutrina civilista que trata da responsabilidade por danos metapatrimoniais”.
Esclarece o autor que “diante de uma lei destinada a garantir determinado
direito consumerístico, tanto individual, quanto difuso ou coletivo, presume-se
implícito, nas punições nela estipuladas, o intuito de desestimular o possível
infrator à prática do ato ou omissão lesivos”.
Dada
a pertinência, convém reproduzir o relato de Basilone:
“Exemplo
bem ilustrativo da aplicação do princípio do desestímulo, colhido por Paulo
Soares Bugarin, consiste na decisão prolatada no caso BMW of North America,
Inc. versus Gore. Após adquirir um
veículo BMW novo de um revendedor do Estado do Alabama, Gore descobriu que o
carro fora repintado. Ajuizou ação de ressarcimento de danos (compensatory
damages) e de punição por danos (punitive damages) contra a American
Distributor of BMW, em que a empresa foi condenada ao pagamento de US$ 4.000,00
a título de compensatory damages e mais US$ 4 milhões a título de punitive
damages.
A
sanção foi reduzida posteriormente pelas Cortes superiores, mas o que
interessa, neste passo, é apenas destacar o raciocínio lógico da primeira
decisão. US$ 4 milhões teria sido o valor dos lucros obtidos pela empresa com a
venda de todo o lote ‘condenado’ de veículos repintados. Com tal punição, pretendia o juiz criar um
precedente tendente a eliminar no produtor justamente o interesse econômico da
assunção do risco de lançar produto defeituoso no mercado.
É
comum o empresário pautar suas decisões exclusivamente com base em cálculos financeiros.
Suponhamos que, num lote de determinada mercadoria pronto para a
comercialização, o produtor constate um certo defeito em todas as unidades. O
cálculo das probabilidades, no entanto, indica que poucos consumidores acabarão
notando ou sofrendo prejuízos em decorrência desse defeito. O empresário poderá
sentir-se tentado a ceder ao seguinte raciocínio: se vier a ocorrer dano a uns
poucos consumidores e o ressarcimento das respectivas despesas for pequeno em
relação aos lucros obtidos com a colocação daquele lote no mercado, compensa a
ele correr o risco.
Contudo,
se ele souber que a ocorrência de lesão a um único consumidor o sujeitará a uma
pena pecuniária equivalente ou até superior aos referidos lucros, não valerá
mais a pena correr o risco: estará eliminada a própria vantagem subjacente à
decisão de risco de comercializar o lote “defeituoso” que seria a certeza de
algum lucro. O fator psicológico instaurador da tentação restará bastante
enfraquecido, pois seu objeto principal ‘a certeza do lucro’ terá sido
eliminado. Nisso consiste o princípio do desestímulo.
Pode-se
concluir, afinal, este tópico, mencionando que a indenização de desestímulo tem
três funções distintas: a) a função
reparatória ou compensatória, conforme se trate, respectivamente, de dano
material ou imaterial; b) a função pedagógica ou didática, que procura sanar as
eficiências culturais do lesante; c) a
função punitiva ou de desestímulo, que diminui no lesante a pulsão para a
prática lesiva.”
A
posição em questão vem se difundindo na jurisprudência brasileira nas matérias
pertinentes ao Código do Consumidor, conforme decisão, proferida em 2007, pela
3ª. Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Rio Grande do Sul, no
processo n. 7100120866, que tinha como partes, EVA SHIRLEI MELLO MACHADO e
KATER ADMINISTRADORA DE EVENTOS LTDA., e da qual foi relator o Dr. Eugênio
Facchini Neto, que contém a Ementa abaixo transcrita:
“TOTO BOLA. SISTEMA DE
LOTERIAS DE CHANCES MÚLTIPLAS. FRAUDE QUE RETIRAVA AO CONSUMIDOR A CHANCE DE VENCER.
AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. DANOS MATERIAIS LIMITADOS AO
VALOR DAS CARTELAS COMPROVADAMENTE ADQUIRIDAS. DANOS MORAIS PUROS NÃO
CARACTERIZADOS. POSSIBILIDADE, PORÉM, DE EXCEPCIONAL APLICAÇÃO DA FUNÇÃO
PUNITIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL. NA PRESENÇA DE DANOS MAIS PROPRIAMENTE
SOCIAIS DO QUE INDIVIDUAIS, RECOMENDA-SE O RECOLHIMENTO DOS VALORES DA
CONDENAÇÃO AO FUNDO DE DEFESA DE INTERESSES DIFUSOS. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO.
1. Não há que se falar em perda de uma
chance, diante da remota possibilidade de ganho em um sistema de loterias.
Danos materiais consistentes apenas no valor das cartelas comprovadamente
adquiridas, sem reais chances de êxito.
2. Ausência de danos morais puros, que se
caracterizam pela presença da dor física ou sofrimento moral, situações de
angústia, forte estresse, grave desconforto, exposição à situação de vexame,
vulnerabilidade ou outra ofensa a direitos da personalidade.
3. Presença de fraude, porém, que não pode
passar em branco. Além de possíveis respostas na esfera do direito penal e
administrativo, o direito civil também pode contribuir para orientar os atores
sociais no sentido de evitar determinadas condutas, mediante a punição
econômica de quem age em desacordo com padrões mínimos exigidos pela ética das
relações sociais e econômicas. Trata-se da função punitiva e dissuasória que a
responsabilidade civil pode, excepcionalmente, assumir, ao lado de sua clássica
função reparatória/compensatória. “O Direito deve ser mais esperto do que o
torto”, frustrando as indevidas expectativas de lucro ilícito, à custa dos
consumidores de boa fé.
4. Considerando, porém, que os danos
verificados são mais sociais do que propriamente individuais, não é razoável
que haja uma apropriação particular de tais valores, evitando-se a disfunção
alhures denominada de overcompensantion. Nesse caso, cabível a destinação do
numerário para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pela Lei 7.347/85,
e aplicável também aos danos coletivos de consumo, nos termos do art. 100, parágrafo
único, do CDC. Tratando-se de dano social ocorrido no âmbito do Estado do Rio
Grande do Sul, a condenação deverá reverter para o fundo gaúcho de defesa do
consumidor.”
No
acórdão em questão, destaca o relator:
“A
função punitiva, presente na antigüidade jurídica, havia sido quase que
esquecida nos tempos modernos, após a definitiva demarcação dos espaços
destinados à responsabilidade civil e à responsabilidade penal. A esta última
estaria confinada a função punitiva. Todavia, quando se passou a aceitar a
compensabilidade dos danos extrapatrimoniais, especialmente os danos morais
puros, percebeu-se estar presente ali também a idéia de uma função punitiva da
responsabilidade civil. Para os familiares da vítima de um homicídio, por
exemplo, a obtenção de uma compensação econômica paga pelo causador da morte
representa uma forma estilizada e civilizada de vingança, pois no imaginário
popular está-se também a punir o ofensor pelo mal causado quando ele vem a ser
condenado a pagar uma indenização.
Com
a enorme difusão contemporânea da tutela jurídica (inclusive através de
mecanismos da responsabilidade civil) dos direitos da personalidade,
recuperou-se a idéia de penas privadas. Daí um certo revival da função
punitiva, tendo sido precursores os sistemas jurídicos integrantes da família
da common law, através dos conhecidos punitive (ou exemplary) dammages.
Busca-se, em resumo, ‘punir’ alguém por
alguma conduta praticada, que ofenda gravemente o sentimento ético-jurídico
prevalecente em determinada comunidade .”
E,
mais adiante destaca o aspecto da relevância social do dano, que não se repara
na perspectiva individual, sobretudo quanto este se apresente ínfimo:
“individualmente os danos sofridos foram ridiculamente ínfimos. Mas na sua
globalidade, configuram um dano considerável. Tratando-se de fenômeno de massa
– e fraudes do gênero só são intentadas justamente por causa disso (pequenas
lesões a milhares ou milhões de consumidores) – a Justiça deve decidir levando
em conta tal aspecto, e não somente a faceta individual do problema.”
Também
a Justiça do Trabalho tem aplicado esse entendimento, conforme evidenciam
várias decisões de primeiro grau publicadas em diversos Estados:
-
Decisão da juíza Valdete Souto Severo, em 30 de setembro de 2009, no Processo
n. 00477-2009-005-04-5, da 4ª. Vara do Trabalho de Porto Alegre, na qual se
condenou a reclamada, CASAS BAHIA COMERCIAL LTDA., pelo reconhecimento da
prática de dumping social, em função de assédio moral noticiado em inúmeras
reclamações trabalhistas, caracterizada pela conduta contumaz de manter um
ambiente de trabalho que atenta contra a honra dos empregados e pelo uso de se
efetuar pagamentos “por fora”, ao pagamento de indenização no valor de R$
700.000,00 (setecentos mil reais), com reversão para um fundo de execuções;
-
Decisão do juiz Antônio Arraes Branco Avelino, de 29/09/08, no processo n.
1304/07, com trâmite na 2ª. Vara do Trabalho de Dourados/MS, pela qual se
condenou a reclamada, ELEVA ALIMENTOS S/A (PERDIGÃO S/A), pelo reconhecimento
da prática reiterada de exposição dos trabalhadores a jornadas exaustivas, de
até 14 e 16 horas, longos períodos sem descanso semanal, em atividades rápidas,
repetitivas e em ambiente insalubre, condenou-se a reclamada ao pagamento de
uma indenização de R$500.000,00 (quinhentos mil reais) em favor de cada um dos
reclamantes constantes das diversas reclamações relacionadas na fundamentação;
-
Decisão do juiz, Ranúlio Mendes Moreira, no processo n. 495-2009-191-18-00-5,
com trâmite pela Vara do Trabalho de Mineiros/GO, pela qual se condenou a
reclamada, um frigorífico, a pagar indenização por danos sociais no valor de R$
100.000,00, considerando-se que houve prejuízo social pelo desrespeito
reiterado do intervalo de descanso relativo aos trabalhadores que exercem suas
funções em ambiente artificialmente refrigerado, tendo sido, ainda, fixada
multa diária, também em R$ 100.000,00, caso o frigorífico continuasse
desrespeitando a norma que visa preservar a saúde do trabalhador submetido
habitualmente a baixas temperaturas;
-
Decisão do juiz, Ranúlio Mendes Moreira, da 2ª Vara do Trabalho de Goiânia, no
Processo n. 01035-2005-002-18-00-3, pela qual se considerou a utilização de
terceirização ilícita uma prática de “dumping social”, condenando-se as
reclamadas, Construtora MB Engenharia e Cooperativa Mundcoop – Cooperativa de
Prestação de Serviços Multidisciplinares do Estado de Goiás, ao pagamento de
indenização de R$100.000,00 (cem mil reais), revertidos à entidade
Filantrópica, Vila São Cottolengo, de Trindade (GO).
-
Decisão do juiz, Luiz Eduardo da Silva Paraguassu, titular da Vara do Trabalho
de Luziânia, GO, de março de 2009, no Processo n. 00736-2007-131-18-00-0 (Ação
Civil Pública movida pelo Ministério Público do Trabalho da 18ª. Região), pela
qual se declarou a existência de fraude na formação das empresas, constituídas
por “testas de ferro”, pessoas inidôneas econômica e financeiramente, com o
intuito de mascarar a verdadeira identidade dos donos das empresas Agropecuária
Brasília Ltda., Israel da Silva - ME, R.T. Comércio de Carnes Ltda.,
Agropecuária São Caetano Ltda., Fril - Comercial deAlimentos Ltda., advindo uma
condenação por dano moral coletivo na ordem de R$500.000,00 (quinhentos mil
reais), revertidos para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT);
-
Decisão da juíza, Alciane de Carvalho, da 2ª Vara do Trabalho de Goiânia, no
Processo nº 304/2009, pela qual se condenou uma empresa de prestação de
serviços em telefonia (“telemarketing”) por dano moral coletivo, também
denominado na sentença por “dumping social”, considerando-o caracterizado pelo
fato de ter a empresa adotado condições desumanas de trabalho, como forma de se
obter vantagem econômica sobre a concorrência, advindo condenação ao pagamento
de uma indenização de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), com reversão em favor
do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT);
-
Decisão do juiz, Alexandre Chibante Martins, do Posto Avançado ligado à Vara do
Trabalho de Ituiutaba, MG, Processo n. 00866-2009-063-03-00-3, pela qual se
condenou a reclamada, integrada ao Grupo JBS-Friboi, ao pagamento de
indenização por "dumping social", caracterizado pela prática de
redução de custos a partir da eliminação de direitos trabalhistas, como o não
pagamento de horas extras e a contratação sem registro em carteira de trabalho,
resultando na condenação ao pagamento de uma indenização fixada em R$500,00
(quinhentos reais), revertida ao reclamante;
-
Decisão da juíza Beatriz Helena Miguel Jiacomini, da 4ª Vara do Trabalho de São
Paulo, que obrigou a Chambertain Administradora - adquirida pela BHG - Brazil
Hospitality Group - a pagar indenização de R$ 50 mil, revertida para a
Associação de Apoio a Criança com Câncer (AACC). Segundo consta da decisão, a
condenada é "contumaz em contratar empregados sem registrar o contrato de
trabalho, submetendo-os a adesões a cooperativas, abertura de empresas,
mascarando a relação empregatícia com o objetivo de fraudar e impedir a
aplicação do direito social laboral";
-
Decisão do juiz Jônatas Andrade, da Vara do Trabalho de Parauapebas, Pará, que
condenou, no dia 10 de março de 2010, a Companhia Vale do Rio Doce a pagar
R$100 milhões por danos morais coletivos e mais R$200 milhões por dumping
social, pelo fato de que os trabalhadores diretamente contratados pela Vale ou
por empresas que prestam serviço a ela gastam um mínimo de duas horas de
deslocamento para ir e voltar às minas, valor este que não era remunerado ou
descontado da jornada. A Justiça do Trabalho entendeu que a empresa deve
considerar as horas in itinere e remunerá-las, respeitando o limite máximo da
jornada diária de trabalho legal. A condenação por danos morais e por dumping
social ficou a cargo da Vale e não das terceirizadas. De acordo com o juiz, a
empresa determinava à suas prestadoras de serviço à não computarem as horas
para não prejudicar a interpretação da legislação feita pela companhia.
Conforme consta da sentença, “A construção do artifício de fraude foi comandada
pela Vale, inclusive para o não pagamento dos direitos trabalhistas”. Esse
procedimento teria resultado em uma economia para a Vale da ordem de duzentos
milhões de reais, apenas nos últimos cinco anos, gerando uma prática
concorrencial desleal, em detrimento da qualidade de vida dos trabalhadores. A
multa por “dumping social”, fixada em duzentos milhões, fora destinada ao Fundo
de Amparo ao Trabalhador. Os 100 milhões relativos ao dano moral coletivo,
segundo a sentença, terão que ser revertidos à própria comunidade afetada (o
que inclui todos os municípios da província mineral de Carajás e não apenas
Parauapebas) através de projetos derivados de políticas públicas de defesa e
promoção dos direitos humanos do trabalhador.
Os
Tribunais trabalhistas, ademais, já começam a respaldar as decisões de primeiro
grau com tal temática. Com efeito, a última decisão mencionada acima foi
confirmada em segundo grau, resultando a seguinte Ementa:
RECORRENTE(S): JBS S.A.
RECORRIDO(S): SATIRO DA ROCHA
QUEIROZ EMENTA: REPARAÇÃO EM PECÚNIA "CARÁTER PEDAGÓGICO - DUMPING
SOCIAL". CARACTERIZAÇÃO - Longas jornadas de trabalho, baixos
salários, utilização da mão-de-obra infantil e condições de labor inadequadas
são algumas modalidades exemplificativas do denominado dumping social,
favorecendo em última análise o lucro pelo incremento de vendas, inclusive de
exportações, devido à queda dos custos de produção nos quais encargos
trabalhistas e sociais se acham inseridos. “As agressões reincidentes e
inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal
prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado Social e do
próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a
concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido `dumping
social"" (1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do
Trabalho, Enunciado nº 4). Nessa ordem de idéias, não deixam as empresas de
praticá-lo, notadamente em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento,
quando infringem comezinhos direitos trabalhistas na tentativa de elevar a competitividade
externa. "Alega-se, sob esse aspecto, que a vantagem derivada da redução
do custo de mão-de-obra é injusta, desvirtuando o comércio internacional.
Sustenta-se, ainda, que a harmonização do fator trabalho é indispensável para
evitar distorções num mercado que se globaliza" (LAFER, Celso -
"Dumping Social", in Direito e Comércio Internacional: Tendências e
Perspectivas, Estudos em homenagem ao Prof. Irineu Strenger, LTR, São Paulo,
1994, p. 162). Impossível afastar, nesse viés, a incidência do regramento
vertido nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, a coibir - ainda que
pedagogicamente - a utilização, pelo empreendimento econômico, de quaisquer
métodos para produção de bens, a coibir - evitando práticas nefastas futuras -
o emprego de quaisquer meios necessários para sobrepujar concorrentes em
detrimento da dignidade humana. (00866-2009-063-03-00-3 RO - TRT/3ª Região, Desembargador Relator Júlio Bernardo do Carmo)
Neste
mesmo sentido, a Ementa a seguir:
DANO À SOCIEDADE (DUMPING SOCIAL). INDENIZAÇÃO
SUPLEMENTAR. JUSTIÇA DO TRABALHO. APLICAÇÃO. As agressões reincidentes e
inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal
prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado Social e do
próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a
concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”,
motivando a necessária reação do judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano
à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que
extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e
927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil,
o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma
indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, “d”, e 832, §
1º, da CLT” (Súmula n° 4, da primeira Jornada de Direito Material e Processual
na Justiça do Trabalho, em 23/11/2007) - AC 2ª T - PROC RO
00394-2008-003-16-00-3 - 16ª REGIÃO - Ilka Esdra Silva Araújo - Desembargadora
Relatora. DJ/MA de 9/10/2009 - (DT – Abril/2010 – vol. 189, p. 142).
Como
se vê, a noção de dano social já se encontra devidamente incorporada, pela
doutrina e jurisprudência, ao direito nacional, não sendo sequer questionada
pela própria mídia não especializada, conforme se verifica das manifestações
abaixo, que, simplesmente, clamam por uma “cautela” para sua aplicação aos
casos concretos:
Justiça condena empresa
a pagar indenização por “dumping social”
Por
Arthur Rosa
Valor
Econômico – Edição de 19/10/09
Da
pequena Iturama, cidade com 35 mil habitantes no Triângulo Mineiro, saiu a
primeira decisão trabalhista que se tem notícia mantida em segunda instância
que condena uma empresa ao pagamento de indenização por "dumping
social". O nome adotado se refere à prática de redução de custos a partir
da eliminação de direitos trabalhistas, como o não pagamento de horas extras e
a contratação sem registro em carteira de trabalho. No caso julgado, a reparação
não foi requerida pelo advogado do trabalhador, um ex-empregado do Grupo
JBS-Friboi. O próprio juiz, o paulistano Alexandre Chibante Martins, do Posto
Avançado ligado à Vara do Trabalho de Ituiutaba, a aplicou por iniciativa
própria, baseado em um enunciado da Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho (Anamatra).
A
tese foi aceita pela Quarta Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de
Minas Gerais. Os desembargadores decidiram manter a sentença que condena o
frigorífico ao pagamento de indenização de R$ 500 ao ex-empregado. Na avaliação
dos magistrados, as repetidas tentativas da empresa de desrespeitar os direitos
trabalhistas configuram a prática de dumping social. "Verifica-se que está
caracterizado o dumping social quando a empresa, por meio da burla na
legislação trabalhista, acaba por obter vantagens indevidas, através da redução
do custo da produção, o que acarreta um maior lucro nas vendas", diz o
desembargador Júlio Bernardo do Carmo, relator do caso.
De
acordo com o processo, foram julgados, desde 2008, cerca de 20 ações propostas
contra a empresa, todas reclamando horas extras não pagas. Os ex-empregados
alegam também que eram submetidos a uma excessiva jornada de trabalho,
permanecendo na empresa por mais de 10 horas diárias. O Grupo JBS-Friboi já
ajuizou recurso contra a decisão no Tribunal Superior do Trabalho (TST). O
advogado da empresa, Leandro Ferreira de Lima, refuta as acusações e destaca
que a maioria do desembargadores do TRT de Minas tem derrubado as condenações
por dumping social. "Só a Quarta Turma adotou este entendimento",
diz.
O
dumping social não está previsto na legislação trabalhista. Mas um enunciado da
Anamatra, aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do
Trabalho, realizado em 2007, incentiva os juízes a impor, de ofício - sem
pedido expresso na ação -, condenações a empresas que desrespeitam as leis
trabalhistas. De acordo com o enunciado, "as agressões reincidentes e
inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal
prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado Social e do
próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a
concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido dumping social,
motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la".
Os
juízes trabalhistas importaram do direito econômico as bases para a aplicação
de sanções às empresas. A tese do dumping social ainda é pouco usada no
Judiciário.
De acordo com o juiz
Jorge Luiz Souto Maior, da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí (SP), um dos maiores
estudiosos do tema, há decisões de primeira instância proferidas em Goiás, Rio
Grande do Sul e São Paulo, além de Minas Gerais. E, por ora, somente
uma mantida em segunda instância. São condenações que chegam a R$ 1 milhão e
que foram revertidas, em sua grande maioria, a fundos sociais - como o Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT) - e entidades beneficentes. "É uma decisão
difícil de ser dada. O magistrado precisa conhecer bem o histórico da
empresa", diz. "As agressões aos direitos trabalhistas causam danos a
outros empregadores não identificados que, inadvertidamente, cumprem a
legislação ou que, de certo modo, se veem forçados a agir da mesma forma."
Souto
Maior, que já proferiu várias sentenças sobre o tema, entende que não se deve
destinar a indenização ao trabalhador, uma vez que a prática de dumping social
prejudica a sociedade como um todo. O juiz Alexandre Chibante Martins, do Posto
Avançado de Iturama, preferiu, no entanto, beneficiar o ex-empregado do Grupo
JBS-Friboi em sua decisão. "Foi ele quem sofreu o dano", afirma o
magistrado, que vem aplicando a tese do dumping social desde o início de 2008.
"Não tem sentido destinar os recursos a um fundo social."
O
advogado e professor do direito do trabalho da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP), Marcel Cordeiro, do escritório Neumann, Salusse,
Marangoni Advogados, considera as decisões "plausíveis". Mas entende
que a tese do dumping social tem que ser usada com cautela pelo Judiciário.
"A decisão precisa ser muito bem fundamentada", diz.
"Certamente, isso ainda vai dar muita dor de cabeça para o
empresariado". – grifou-se
A tese do dumping
social
Editorial de O Estado de São Paulo - SP
Edição de 26/10/2009
Ao
julgar uma reclamação trabalhista de um funcionário de um dos maiores
frigoríficos do País, que pedia registro em carteira e pagamento de horas
extras, o juiz do trabalho de Iturama, cidade de 35 mil habitantes no Triângulo
Mineiro, foi muito além do que estava sendo pleiteado. Ele não só deu ganho de
causa ao reclamante, como também condenou a empresa a pagar indenização por
dumping social. A decisão, que acaba de ser confirmada pela Quarta Turma do
Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais, causou surpresa nos meios
jurídicos e empresariais.
O
motivo é que o dumping - uma prática desleal de comércio - não está previsto
pela legislação trabalhista e jamais foi objeto do direito do trabalho. Pelo
contrário, desde o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), de 1947, ele tem
sido tratado somente pelo direito econômico. Atualmente, as diretrizes e
sanções em matéria de combate a esse tipo de concorrência desleal se encontram
tipificadas pelo Código Antidumping da OMC.
Ao
justificar sua decisão, o juiz afirmou que o frigorífico vinha desrespeitando
sistematicamente a legislação trabalhista, com o objetivo de reduzir os custos
de produção para ter preços mais competitivos no mercado internacional. Ele
também alegou que, além de não registrar os empregados, o frigorífico os
submetia a jornadas diárias muito superiores ao permitido por lei, sem pagar
horas extras. E, ao fundamentar a decisão, o juiz invocou um enunciado em que a
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) incentiva
seus filiados a impor, mesmo sem pedido dos advogados dos reclamantes, severas
sanções às empresas que desrespeitam os direitos dos trabalhadores.
Para
a Anamatra, além de ser uma afronta ao Estado, esse desrespeito provoca danos à
sociedade, na medida em que propicia vantagens comerciais indevidas aos
empregadores. O enunciado foi aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e
Processual na Justiça do Trabalho, realizada em 2007. Segundo ele, agressões
reincidentes aos direitos trabalhistas colidem com a estrutura do Estado social
e do próprio modelo capitalista, motivando a necessária reação do Judiciário
Trabalhista. O problema é que a Anamatra, que foi criada em 1976, durante um
congresso organizado pelo Instituto Latino-Americano do Direito do Trabalho e
Previdência Social, é uma entidade corporativa. Por isso, ela não tem a
prerrogativa de legislar. Essa é uma atribuição que cabe ao Congresso.
O
enunciado da Anamatra e a sentença do juiz do trabalho de Iturama configuram
mais um caso do que os juristas chamam de ativismo judicial. Valendo-se de
princípios constitucionais, que por serem dispositivos programáticos têm
redação vaga ou excessivamente retórica, alguns magistrados interpretam
extensivamente a legislação, ampliando com isso o alcance de suas competências.
Por meio dessa estratégia, por exemplo, muitos juízes de execução penal estão
recorrendo a argumentos sociológicos sob a justificativa de humanizar a pena,
enquanto juízes trabalhistas cada vez mais se sentem estimulados a incorporar
institutos do direito econômico para a aplicação de sanções mais severas às
empresas.
É
esse o caso do chamado dumping social. Ele já foi objeto de várias sentenças de
primeira instância da Justiça do Trabalho proferidas em Goiás, Rio Grande do
Sul, São Paulo e Minas Gerais, tendo resultado em condenações que chegam a R$ 1
milhão. Contudo, essas decisões vinham sendo revertidas pelas instâncias
superiores. Agora, com a confirmação do despacho do juiz do trabalho de Iturama
pela Quarta Turma do TRT de Minas Gerais, esse quadro pode mudar.
O
problema do ativismo está no fato de que, se por um lado pode beneficiar as
partes mais fracas nos litígios trabalhistas, por outro gera insegurança
generalizada nos meios empresariais, pois é só uma minoria de empregadores que
desrespeita sistematicamente a legislação trabalhista. É por isso que muitos
juristas têm recomendado moderação à magistratura trabalhista na aplicação da
tese do dumping social. O receio é de que, sob a justificativa de fazer
justiça, a corporação acabe gerando mais problemas do que soluções,
prejudicando empregados e empregadores. – grifou-se.
O
caso dos presentes autos se encaixa, plenamente, na temática supra. A
reclamada, que possui atividade em diversas cidades, no ramo do comércio de
calçados, tendo, portanto, grande representação no cenário econômico, demonstrou
que age de forma fraudulenta no que se refere ao controle de jornada de seus
empregados, obtendo, por isso, certamente, lucro indevido, que pode ser tido
como um furto do patrimônio do trabalhador, uma fraude previdenciária e
tributária, gerando, por certo, grave dano a toda a sociedade.
Por
todos esses fundamentos, diante do dano social gerado pela prática adotada pela
reclamada como forma de dificultar o acesso à ordem jurídica por parte dos
trabalhadores, reduzindo o “status” de cidadania destes, provocando
discriminação, negligenciando obrigações, agredindo o Estado Social Democrático
de Direito e obtendo vantagem econômica indevida, condeno a reclamada a pagar
multa de R$100.000,00 (cem mil reais), revertida, conforme manifestação dos
demais membros da Turma, ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), nos termos da
Lei n. 7.347/85.
Alguém
mais desavisado pode até imaginar que o valor em questão seria muito alto, mas
se pensarmos bem é até bastante módico diante do propósito de resgatar a
autoridade da ordem jurídico-sócio-econômica nacional.
Recentemente,
a Microsoft foi multada pela Comissão Européia da Concorrência em 899 milhões
de euros, por ter quebrado regras da livre concorrência, conforme revela a
reportagem do Portal da Revista Exame na internet (http://portalexame.abril.com.br/ae/economia/m0152907.html).
No
Brasil, em março de 2008, o PROCON do Distrito Federal notificou a TAM em razão
da alegação de ter servido lanche com data vencida aos passageiros de um vôo. O
fato, segundo noticia o PROCON, sujeita a TAM ao pagamento de uma multa que
varia de R$212,00 (duzentos e doze reais) a R$3.1000.000,00 (três milhões e cem
mil reais).
Em
abril de 2008, a Volkswagen assinou acordo com o Departamento de Proteção e
Defesa do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça, pelo qual se fixou o
prazo de 30 dias, prorrogáveis por mais 30, para que a Volkswagen desse início
ao procedimento de recall dos 477 mil Fox produzidos pela empresa desde 2003,
além da obrigação da empresa “recolher R$ 3 milhões ao Fundo Federal de Defesa
de Direitos Difusos, uma espécie de multa ou compensação por ter exposto os
consumidores a risco”, representado pelo fato de que o manuseio do banco
traseiro teria machucado e até mutilado dedos de usuários.
Segundo
reportagem publicada no jornal Folha de São Paulo, edição de 17/05/2010, a
Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) informou que ao longo de 2009
foram aplicadas e publicadas multas que somaram R$ 88,5 milhões, tendo sido
arrecadados R$65,5 milhões com as autuações. Segundo consta da reportagem, a
Agência informou que do total de multas arrecadadas 55% foram motivadas por
"descumprimento aos planos gerais de metas de qualidade dos serviços de
telefonia fixa, de telefonia móvel e de TV por assinatura e ao Plano Geral de
Metas para a Universalização".
Em
julho de 2009, o CADE aplicou multa de R$352 milhões à AmBev, segundo
reportagem da Folha Online . O Cade (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica) considerou que a empresa estava prejudicando a concorrência no
mercado de cerveja, ao exigir exclusividade dos seus produtos em pontos de
venda e inibir a venda de outras marcas. O Cade entendeu que isso prejudicou as
outras marcas de cerveja e o consumidor. O valor corresponde a 2% do
faturamento bruto da empresa no ano de 2003, anterior à instauração do
processo.
Segundo
informações constantes no sítio do Jornal Nacional, da Rede Globo , a ANAC
(Agência Nacional de Aviação Civil), anunciou multa de R$2 milhões à GOL por
causa dos problemas de atrasos e cancelamentos de vôos. A empresa aérea também
foi proibida de fretar aviões a outras empresas enquanto a situação não se
normalizar. A Gol também será obrigada a fornecer a escala da tripulação
semanalmente à Anac. Segundo o mesmo veículo de informação, o Procon de São
Paulo notificou a companhia a prestar esclarecimentos. “Em todos esses casos de
descumprimento dos deveres, a empresa está sujeita a sanções, que, no caso do
Código de Defesa de Consumidor, podem chegar até o valor de R$ 3,2 milhões”,
conforme esclarecimentos prestados por Roberto Pfeiffer, diretor-executivo do
Procon-SP. Também no sitio em questão, a notícia de que o Ministério Público
Federal também solicitou à Gol explicações sobre os motivos dos atrasos e quais
medidas foram tomadas para garantir os direitos dos passageiros. Os
procuradores notificaram a Anac para saber que medidas emergenciais foram
tomadas e o que será feito para solucionar a questão de modo definitivo.
Pois
bem, R$100.000,00 (cem mil reais), pela burla deliberada da legislação
trabalhista, ferindo frontalmente a dignidade daquele cuja força de trabalho
serviu ao incremento da atividade econômica do agressor, não é excessivo, ainda
mais considerando a relevância da reclamada para a sociedade brasileira, que,
certamente, serve como paradigma de conduta no âmbito empresarial, dado o seu
elogiável sucesso. Lembre-se que a negação deliberada em cumprir obrigações
trabalhistas previstas legalmente é, sem dúvida, desde a criação da OIT, ao
final da 1ª. Guerra Mundial, uma das maiores agressões ao capitalismo em nível
internacional, merecendo, portanto, no mínimo, proteção jurídica igual à que se
confere aos consumidores.
Além
disso, não é sequer razoável supor que o agressor da ordem jurídica possa
invocá-la para se manter impune. O direito, por óbvio, não traz consigo o
antídoto contra a sua própria eficácia.
C O N C L U S Ã O
Pelo
exposto, resolvo conhecer do recurso apresentado pelo reclamante, e no mérito,
dar-lhe provimento, nos termos da fundamentação.
Diante
do dano social identificado, condeno a reclamada a pagar multa de R$100.000,00
(cem mil reais), revertida, conforme manifestação dos demais membros da Turma,
ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), nos termos da Lei n. 7.347/85.
JORGE
LUIZ SOUTO MAIOR
Juiz
Relator
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