Ronaldinho Gaúcho e Flamengo já escolheram as armas... Quem vence? |
Na
postagem de hoje o Blog vai repercutir o caso Ronaldinho Gaúcho sob a ótica
jurídica, especificamente do Direito do Trabalho e dos direitos do Atleta
Profissional de Futebol, com alguns comentários preliminares para a compreensão
do leitor.
Mensagem do Blog: Caros amigos leitores, prezados ilustres leitores
que também são Blogueiros formadores de opinião - que estão aí da coluna à
direita do Blog, e seguidores do nosso Twitter oficial (@D_Trabalhista). Um
especial abraço.
Não
posso deixar de registrar um recado às pessoas que compartilham o conteúdo de
nossas postagens no Facebook através do botão “Curtir” à direita, bem como
saudamos com boas vindas os visitantes que sempre chegam ao Blog através dos
mecanismos de pesquisa.
E
um especial abraço aos mais de 4.000
assinantes de nosso informativo via email (Newsletter – cadastro gratuito na
coluna da esquerda). Sigamos em frente com informação útil e com
credibilidade.
Hoje este Blogueiro
– flamenguista e súdito do Zico –
está procurando superar as dores deste maltratado coração para repercutir do
ponto de vista técnico-jurídico o caso do Ronaldinho Gaúcho, este que demandou
na Justiça do Trabalho o rompimento de seu vínculo federativo e trabalhista com
o Clube Regatas Flamengo.
Bom esclarecer, à
partida: Dor alguma pela partida do R10, por vários motivos que nem preciso
mencionar. Dor antiga e constante, pelo fato de que o Flamengo é mal gerido há
mais de 20 anos por cartolas ultrapassados e despreparados, quais, de alguma
forma, sempre se revezam na administração e cargos do Clube, dentre tantos
Veloso, Leite, Santos Silva, Braga, Abranches, Capitães, etc..
E quando a atual presidente
traz consigo os dons da cartolagem e da política ao mesmo tempo, bem aí já
viu...parece óbvio que não conseguirá atender aos anseios de uma nação.
Outra coisa: para o
pessoal dos comentários, digo desde já que não vale como defesa do clube o
argumento de que R10 (?) também estaria inadimplente com suas obrigações porque
não jogou nada. Até mesmo porque, se esta realidade fosse um fato jurídico, o
Flamengo (melhor dizendo, os torcedores) certamente seria(m) credor(es) de
muito mais que 40 milhões. Dano moral coletivo é coisa séria.
Chega de choro de
perdedor, voltemos para alcançar o nível que o Diário sempre perseguiu, e vamos
ao que interessa e que tem pertinência temática com o Direito do Trabalho.
Primeiro este
Blogueiro destaca para os amigos leitores o teor da decisão judicial proferida
pelo i. julgador da 9ª VT do RJ/1ª Região, concedendo os efeitos da tutela
antecipada ao jogador Ronaldinho Gaúcho. Farei comentários, mas quero deixar bem claro que não obtive
acesso aos autos e aos documentos que o instruem, por isso estou pautando algumas
avaliações considerando as informações publicadas pela imprensa, principalmente
a esportiva, que não é especializada (na ciência do Direito).
Não
pretendo aqui também, que fique bem claro, avaliar a atuação dos colegas
profissionais e operadores do Direito envolvidos, tampouco quanto ao Juízo de
convencimento do Magistrado, diga-se de passagem, de ilustre lavra.
Leia
a decisão, amigo leitor, adiante eu comento:
9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro
PROC. N. 0000681-71.2012.5.01.0009
Autor: Ronaldo de Assis Moreira
Réu: Clube de Regatas do Flamengo
Vistos ...
Por força
de requerimento de antecipação dos efeitos da tutela contido na inicial,
determinei que os autos me viessem conclusos, de imediato.
Trata-se
de ação trabalhista em que o autor, conhecido jogador de futebol (“Ronaldinho
Gaúcho”), cobra de seu clube, o Flamengo, salários em atraso, FGTS e demais
vantagens.
Com tal
mora, aciona o Judiciário com pleito de urgência, visando rescindir
indiretamente o seu contrato, por culpa do empregador.
DECIDO.
A nova
redação do art. 114, da CF, deixa patente a competência desta Especializada
para conhecer da matéria.
Os
elementos dos autos, bem como a notoriedade do
assunto, indicam que o réu está, de fato, em mora com o
autor, pelo atraso contumaz de salários e do FGTS.
Há missiva
remetida pelo autor (por seu procurador) ao clube e à sua parceira Traffic,
cobrando o pagamento dos salários atrasados. Ambos com aviso de recebimento.
Na
sequência, sobreveio notificação extrajudicial ao réu, também com AR – todos
anexados à estes autos.
O extrato do FGTS, por sua
vez, indica flagrantemente a insuficiência dos depósitos.
A resolução indireta do
contrato, a par de constar da lei, insere-se nos ajustes firmados pelas partes,
vale dizer, essa possibilidade foi prevista expressamente.
De resto,
incide, no caso, a regra da Lei 9615/98, do art. 31, da Lei 12.395, de 2011 c/c
art. 483, d, da CLT.
Isso sem olvidar a premissa da
Constituição Federal, que garante o livre exercício da profissão, no seu art.
5º, inciso VIII.
Se é certo
que a intenção inicial do autor era cobrar o réu e permanecer atuando pelo
clube, não menos certo é que a intensidade da mora já não lhe permite, sendo um
direito seu buscar romper o vínculo para, dada as peculiaridades da profissão,
aderir à uma outra entidade de prática desportiva da mesma modalidade.
Neste
contexto, emerge patente o fumus boni iuris, constituído no débito contratual
do réu (prova inequívoca); e o periculum in mora, posto caber ao autor
desligar-se do clube inadimplente para ingressar em outra agremiação, dando
continuidade à sua carreira – que, no caso deste atleta, já se aproxima do
final (possibilidade de dano irreparável).
Inteligência:
art. 273 do CPC e demais fundamentos das tutelas de urgência (em geral).
Logo,
DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, para determinar a resolução
indireta do contrato do autor, por falta grave do empregador, liberando-o do
vínculo desportivo, na forma do art. 31, da Lei 12.395, de 2011.
Intimem-se
as partes desta decisão, sendo o réu por oficial de justiça.
Oficie-se,
com urgência, à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), com cópia da presente
decisão, liberando o vínculo desportivo do autor - com possibilidade de fixação
de multa diária em caso de não cumprimento imediato.
Após, designe-se pauta de
audiência.
Rio de Janeiro, 31 de maio de 2012.
ANDRÉ LUIZ AMORIM FRANCO
Juiz do Trabalho
(grifos meus!)
Comentário do Blog:
Da decisão acima e das informações repassadas pela imprensa podemos extrair
algumas informações para ser objeto de estudo. Esta é a finalidade e passo a
analisar algumas premissas:
1ª)
Se verídica a informação de que o Flamengo deve mais de 03 meses de salário e
FGTS a Ronaldinho Gaúcho:
Se o Flamengo deve
mais de 03 meses de salário e depósitos
de FGTS a R10, com efeito, talvez a decisão de tutela antecipada se
perpetue. Nesta casuística, tal como observado pelo magistrado que proferiu a
decisão, há hipótese específica na CLT (art. 483, alínea ‘d”) e na Lei
12.395/2011 (art. 31), que não impõe qualquer dúvida.
Porém, tenho lido
nos diversos meios de comunicação que os salários em questão são decorrentes da
rubrica denominada “direitos de imagem” contratados junto ao jogador.
E se for o caso da
2ª hipótese, aí a questão é intrincada e sem o devido consenso tanto na
Doutrina quanto na Jurisprudência. Isto porque, o artigo 87-A da Lei 9.615/98,
esta com nova redação dada pela Lei 13.395/11, em sua literalidade pronuncia
que os pagamentos feitos a título de imagem passam a ter natureza civil, e não
trabalhista. Quero dizer com isso: não
seria salário, portanto, não há mora do ponto de vista trabalhista
hábil a ensejar o rompimento do vínculo laboral.
Para não fugir ao
debate, eu particularmente sempre engrossei as fileiras da corrente que verte
entendimento pela natureza salarial da rubrica. E explico, de forma sucinta
para não cansar o amigo leitor:
a) O direito de
imagem implicitamente decorre da existência do contrato de trabalho e são pagos
pelo clube, ainda que “indiretamente” por um terceiro contratante, no caso do
R10, a Traffic. Líquido e certo, é que se não há contrato de trabalho entre
atleta e clube, também não se faz contrato de uso de imagem.
b) O pagamento de
uso de imagem jamais pode ser confundido com participação nos lucros, pois o clube enquanto associação sem
fins lucrativos não persegue lucros. Redundante, confesso.
c) No direito do trabalho
o que vale é a realidade dos fatos (primazia da realidade), que indica que os
clubes anseiam - de verdade - retribuir o trabalho e a “categoria” do atleta na
busca de títulos;
d) Em muitos casos,
tem-se verificado que os clubes não conseguem demonstrar que o atleta
participou de qualquer campanha, publicidade ou algo parecido. Parece familiar?
Não estou dizendo
que nestes casos o direito de imagem é indisponível, mas o exercício por
intermédio de empresa interposta é uma aberração jurídica que poucos
questionam.
2ª)
Se verídica a informação de que há mora no recolhimento do FGTS:
Tecnicamente, a
rubrica FGTS tem natureza jurídica de salário
diferido, tal como considera a Doutrina cientifica quase de forma
unânime.
Para muitos o
atraso renitente - por mais de 03 meses – quanto os depósitos de FGTS,
igualmente atrai a incidência do art. 483, alínea ‘d” da CLT c/c artigo 31 da
Lei 12.395/2011, sendo motivo suficiente para a decretação da rescisão indireta
do contrato de trabalho.
Mas há
controvérsias.
E aqueles que
entendem de forma contrária, consideram que a regularização dos depósitos em
atraso (com recolhimentos de multas e encargos) não seria suficiente para penalizar o clube, tendo em vista que o
FGTS somente poderá ser sacado ao final do contrato de trabalho. Assim, a
provisória ausência de regularização não cria impacto no sustento do empregado
durante a vigência do vínculo com o clube, a ponto de deixar de promover seu
sustento ou honrar seus compromissos financeiros.
Fico com o segundo
entendimento.
3ª) Não há necessidade alguma de haver previsão
em cláusula contratual quanto a possibilidade de rescisão indireta;
Este Blogueiro
comenta esta particularidade apenas para fomentar a linha dialética do Diário. Como
sublinhei acima, o i. magistrado ressaltou que havia cláusula com previsão
expressa de rescisão indireta do contrato de trabalho em caso de atraso contumaz
de salário.
No entanto, embora
ilustrativo do ponto da argumentação e do convencimento, certo é que seria desnecessário
este fundamento na r. decisão. Isto porque, os dispositivos que disciplinam a
justa causa do empregador, tanto na
CLT quanto na Lei 12.395/2011, são normas de ordem pública e irrenunciáveis; visam
garantia ao sustento do trabalhador, que é detentor de crédito privilegiado
(natureza alimentar).
4ª)
Independentemente do desfecho do litígio, Ronaldinho tem direito de trabalhar
onde quiser;
Aqui repercutimos
mais uma vez uma questão jurídica que já foi muito evidenciada no caso do
jogador Oscar x São Paulo x Internacional de Porto Alegre.
Nossa Constituição
cidadã rejeita, mesmo topograficamente, desde logo qualquer tipo de violação
aos direitos da pessoa humana. Por isso, a atual Carta começa pelos princípios
e garantias fundamentais, pela valorização do homem e do trabalho, e adiante permeia
pela atuação do Estado, e lá no final regula a ordem econômica.
Não é à toa esta sequência.
Trata-se de um programa harmonicamente previsto pelo legislador Constituinte e
que difere em relação às nossas Constituições anteriores. Numa era pós-ditadura
e com “porre” de democracia a Assembléia Constituinte comandada por Ulysses
Guimarães estava atenta ao pressuposto da dignidade da pessoa humana sobre os
demais.
Dentre estas
garantias fundamentais, o direito à liberdade tanto em versão lato quanto
stricto sensu. Corolário do princípio da liberdade, a constituição determina “que
é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão”.
Em curtas palavras,
e transmudando o raciocínio para o objeto da análise desta postagem: Nenhuma
vinculação econômica ou federativa do atleta pode ser suficientemente impeditiva
ao exercício de sua profissão, não pode impedi-lo de jogar onde desejar. Nem
tampouco as regras da FIFA.
Não estou a afirmar
que R10 deve ou pode sair impune, caso sua pretensão ante ao Flamengo seja ao
final considerada ilícita. Deverá apenas indenizar o clube pelo abuso do
direito (art. 187 Código Civil), tal como o Internacional e Oscar tiveram que
fazê-lo em relação ao São Paulo. O jogador não pode pagar com seu próprio corpo,
suposta inadimplência contratual de natureza econômica.
5ª)
Audiência na Vara do Trabalho
A CLT prevê com bastante
sabedoria a concentração dos atos processuais em audiência, relembrando que a
concessão de tutela antecipada é um ato processual. Em audiência impera o
princípio da oralidade onde as partes são ouvidas.
Como já disse, e
repito até a rouquidão se preciso for, não
tive conhecimento dos elementos documentais que formaram a convicção do
magistrado, tampouco sei quanto o Flamengo é capaz de provar suas alegações que
divulga na imprensa.
Mas, após anos
operando junto à Justiça do Trabalho, creio na sabedoria que a tutela
antecipada inaldita altera pars (sem
ouvir ou ter conhecimento dos argumentos ou da prova documental da parte
contrária) não costuma obedecer a melhor prudência. Corre-se o risco da
tutela ser revogada na primeira audiência, em poucos dias ou poucos meses.
FINALMENTE:
Não custa nada
deixar claro mais uma vez que a proposta do Diário de Um Advogado Trabalhista é
promover a circulação de conhecimento quanto ao mundo das relações trabalhistas.
Esta notória trajetória jurídica do Ronaldinho gaúcho contra o Flamengo serve
apenas de um fio condutor interessante para ser utilizado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário