Comentários do Blog: Olá amigos seguidores, leitores, colegas do Grupo RH-Manaus e todos os Blogonautas que acompanham nosso Diário de Um Advogado Trabalhista.
Nestes últimos dias quase não houve publicação no Blog. Ocorre que este escriba esteve destinando todos os seus esforços e estudos para uma palestra que proferi num evento internacional realizado em Havana/Cuba, o V Encontro da ALAL – Associação Latino-Americana de Advogados Trabalhistas.
O Evento ainda contou com os auspícios da União Nacional de Juristas de Cuba, da Sociedade Cubana de Deireito Trabalhista e Seguridade Nacional, da Associação Americana de Juristas (AAJ) e participação da National Lawyers Guild.
Lá pude compartilhar conhecimentos com os maiores atores sociais da atualidade e dar a minha modesta contribuição para a elaboração de uma Carta Laboral supranacional, juntamente com outros grandes cientistas do direito da América Latina, e de outros países, tais como Espanha, Canadá, Dinamarca, Inglaterra.
A proposta aqui defendida no Blog ganhou projeção internacional. Tudo isso, tem muito haver com a colaoração de vocês leitores, que difundiram nossas idéias, enviaram sugestões, críticas e ou mesmo simples apoio.
Missão cumprida, o Blog volta a publicar com a regularidade já esperada pelos amigos leitores, trazendo temas relevantes ao mundo das relações trabalhistas e para os estudiosos do Direito do Trabalho.
Agradeço a compreensão de todos,
Forte Abraço,
Christian Thelmo Ortiz
Autor e Editor do Blog
Abaixo, segue a íntegra da palestra:
“A importância do reconhecimento da função social da propriedade e da eficácia imediata dos direitos fundamentais do homem, como mecanismos de proteção ao trabalho em tempos de crise."
O cenário do mercado de trabalho no mundo - perspectivas
Embora não se saiba exatamente quem é o “mercado de capitais”, quem definitivamente o controla, e quais são os verdadeiros interesses que impulsionam sua atuação, por outro lado é fácil perceber que o índice de emprego (ou desemprego) acaba sendo diretamente proporcional ao desempenho da influência deste “mercado” na economia.
Hoje a maior parte da riqueza do mundo não está imobilizada. As reservas de capitais viajam pelo mundo ao toque de uma tecla do computador. A grande riqueza está no controle empresarial, no mercado de capitais e de ações, nas marcas, patentes, franquias e softwares.
Uma das faces mais evidentes dos “mercados de capitais” está materializada nas grandes corporações empresariais, as chamadas multinacionais ou transnacionais, pois este tipo de empreendimento é que corporifica o centro de circulação de moedas através das Bolsas de Valores.
Assim, se o mercado pretende deslocar recursos de um ponto do planeta a outro, muitas vezes, em simetria, estas transnacionais são os portos de saída e de chegada do capital, através do trânsito entre matrizes e filiais. Diga-se de passagem, nada contra, mas com alguns entretantos...
O primeiro deles surge da percepção de que se o “mercado” não está presente em uma determinada economia de um país ou uma região econômica, é porque levou consigo a mão de obra que o serve. Quando digo que levou a mão de obra, logicamente estou a afirmar que levou apenas o fruto da energia dos trabalhadores, e não a rede de proteção que estes deveriam usufruir. Esta é a imagem mais próxima que consigo fazer para desenvolver minha visão do cenário trabalhista atual no mundo, em seu espectro macroeconômico.
Quanto este fato ocorre (e sempre ocorre), um dos primeiros argumentos é que a legislação trabalhista do local da fuga do capital é demasiadamente rígida e protetora, que inviabiliza o reinvestimento destes recursos em prol dos próprios trabalhadores, e por conseqüência, inviabiliza o negócio.
Existe ainda outra movimentação do capital que é lenta e gradual, mas que também se entrelaça com a oscilação das crises: a circulação de ativos – através das ditas multinacionais - para localidades onde os direitos trabalhistas não estão consolidados ou onde movimentos sindicais ainda não possuem organização adequada para empreender a justa luta por melhorias das condições de trabalho.
Ouço alguns especialistas dizerem que na segunda metade deste século o continente africano vai experimentar um considerável crescimento econômico sustentado pelo espírito desenvolvimentista; que grandes recursos “do mercado” lá serão investidos, que as grandes corporações lá se instalarão, assim proporcionando melhoria de condições de vida aos povos que lá vivem.
Concordo.
Infelizmente, essa minha percepção também ousa concordar com aqueles que enxergam que este rumo da economia mundial será tomado apenas considerando que o continente africano é atualmente um dos grandes celeiros de mão de obra passível de ser utilizada a um baixo custo pelo ente empresarial. É a lógica da rentabilidade.
Percebam que a pujança econômica do continente africano será construída em detrimento da crise de outras regiões onde os movimentos sindicais terão obtido conquistas significativas para a massa trabalhadora, pois nestes lugares que o capital irá ser reticente.
Assim ocorreu com alguns países da Ásia denominados “Tigres Asiáticos” na década de 90, e pode acontecer com os atuais países ditos emergentes, tais como Brasil, Rússia, Índia e África do Sul, estes últimos quais atualmente experimentam uma grande entrada destes recursos.
Infelizmente, nos dias atuais em que vigora o sistema capitalista globalizado, o mercado de trabalho e as políticas públicas sociais dos países do ocidente seguem os mesmos vetores do mercado econômico.
Talvez esta concordância de rumos seja o ponto nodal para o ciclo vicioso que descrevo.
Somente a título de ilustração, no meu país (Brasil) é hábito culpar a legislação trabalhista como um dos principais obstáculos à viabilidade financeira de uma empresa, seja lá qual seja o porte econômico. Como se fosse possível, um Estatuto de Leis Trabalhistas defasado desde 1943, e que na verdade deveria ser ampliado, causar alguma surpresa para aqueles que detêm os meios de produção.
Ainda utilizando meu país como foco de exemplificação, a cobrança por infra-estrutura de escoação da produção, modernização de portos, aeroportos, estradas e redução da carga tributária (que é uma das mais elevadas do mundo) não é tão intensa por parte da classe empresarial, como a que ocorre para se promova uma “flexibilização” na legislação trabalhista.
No Brasil, discute-se uma reforma tributária há mais de uma década, ao passo que uma proposta de reforma da previdência – que restringiu a proteção social a trabalhadores e a inativos – foi aprovada em poucos meses após ser proposta. A impressão que fica evidenciada, é que fica mais pragmático mexer no bolso do trabalhador do que na arrecadação governamental.
A intenção mais uma vez é manter a economia atraente para o capital que o “mercado” pretende disponibilizar.
No âmbito mundial percebo a mesma relação de causa-efeito que revela a fragilidade da proteção aos direitos sociais dos trabalhadores. Principalmente em épocas de crise, quando o capital do “mercado” costuma circular, digamos, com menos fidelidade.
Tomo como exemplo os efeitos que a crise mundial de 2008, esta que desencadeou ondas de desemprego nas economias mais fortes do planeta. Governos de países de economia capitalista (principalmente da União Européia) adotaram políticas de redução da rede de proteção social e de supressão de direitos trabalhistas, como uma das primeiras providências a serem tomadas para conter o revés da economia.
Agora, nos Estados Unidos, os estadunidenses acompanham com grande interesse o “conflito” de Wisconsin, pois está em cheque o modelo trabalhista lá estabelecido desde a década de 50, formato este em que a luta do sindicato dos servidores públicos serve de paradigma para a classe trabalhadora em geral do privado. O objetivo é diluir o poder de influência da única instituição da sociedade civil nos Estados Unidos que poderia defender os interesses da classe trabalhadora e da classe média.
Na China, ensaia-se um movimento para que as grandes empresas sejam transferidas das regiões litorâneas onde atualmente concentradas para os idos das regiões atualmente habitadas por camponeses. Isto tudo, ao que parece, porque a classe trabalhadora destas corporações - que chega a empregar um milhão de pessoas cada uma – acena uma reivindicação de melhorias de condições de trabalho.
Neste cenário em que mercado de capitais e Estado parecem caminhar na mesma direção, é que a presente palestra tem o propósito de evidenciar a importância do reconhecimento da função social da propriedade e da eficácia imediata dos direitos fundamentais do homem para contenção deste ciclo vicioso. A primeira é direcionada à empresa, e a segunda idéia, ao Estado.
A Função Social da Propriedade e a Empresa em seu aspecto institucional
A empresa em si considerada, nada mais é do que uma espécie do gênero propriedade.
Para que uma empresa possa empreender suas atividades regularmente, costuma-se preencher uma série de exigências perante os diversos níveis da administração governamental.
É porque, de certa forma, irá cumprir uma função relevante para com a sociedade, a função social da empresa.
Na ótica trabalhista pode-se afirmar que a empresa é um ente coletivo, ou seja, pois de regra agrupa uma coletividade de pessoas, dentre estas, algumas com interesses opostos entre si.
Na esteira desse raciocínio, pode-se concluir também que a empresa é uma pequena célula de relações trabalhistas, e como tal, possui o DNA de muitos dos conflitos entre capital e trabalho.
Na acepção jurídica, tem-se função como sendo “dever de agir, atribuído ou conferido por lei a uma pessoa, ou a várias, a fim de assegurar a vida da administração pública ou o preenchimento de sua missão, segundo os princípios instituídos pela própria lei”. E o termo social como “pertencente à sociedade humana considerada como entidade dividida em classes graduadas, condição social, classe social”.
Juntando as duas palavras (função social), seria definir: um objetivo a ser alcançado em benefício da sociedade.
Desse modo, uma propriedade que tenha uma grande produtividade, ou seja, altamente rentável, mas que esteja desobedecendo a leis trabalhistas, ao empregar mão de obra escrava ou trabalho similar, está fugindo do conceito de função social.
Pode-se citar, como outro exemplo, uma propriedade que, embora dentro dos índices mínimos de produtividade, respeitando a legislação trabalhista, agride incisivamente o meio ambiente, também está descaracterizada sua função social.
De igual forma, uma propriedade economicamente produtiva, respeitadora das leis trabalhistas e ambientais, proporcione, através de sua exploração, bem-estar apenas ao seu proprietário, excluindo prejudicialmente seus trabalhadores de tal benefício, também foge de sua função social.
Neste estado de idéias, não me parece demasiado afirmar que o capital direcionado à circulação nas empresas pela via do “mercado” de ações ou outras formas especulativas, antes de se comprometer com a função econômica da empresa (que tem sua importância, pois existe para alcançar a finalidade de lucro), deve primeiramente se preocupar com a função social que irá desempenhar.
Não há compromisso com a função social da empresa, o capital que se instala em uma empresa por poucos meses, e, até mesmo por poucos dias antes de num simples toque de um botão, aparecer em outro continente.
Anota-se que é inegável a submissão da empresa e de seu parceiro mercado a esse novo princípio, para adequá-los à exigência contemporânea de justiça nas relações trabalhistas.
Importante salientar que diante destas novas atribuições a empresa não elimina do Estado a sua destinação de dirigir a nação ao bem estar e a justiça social. Este não se exime de sua função por estar a empresa - por si somente - colaborando com a mesma finalidade.
E em se tratando de responsabilidade do Estado, agora é necessário abordar a eficácia imediata dos direitos fundamentais do homem.
A Eficácia Imediata dos Direitos Fundamentais do Homem.
Gostaria de lhes dizer, à partida, do modo que eu entendo o princípio da dignidade da pessoa humana, este já não é mais um princípio orientador, mas sim um verdadeiro pressuposto do direito. Traduz a regência da vida em sociedade.
Assim, até mesmo quando há colisão de princípios, na valoração destes para se obter uma prevalência, o intérprete deve olhar sua bússola e observar qual deles está mais próximo da dignidade da pessoa humana.
É correto dizer que existem outros princípios aquilatados por grandes valores, tais como o da não discriminação, da liberdade, da igualdade e da legalidade. No entanto, percebam, de alguma maneira estes princípios vão sendo atraídos pelo pressuposto maior da dignidade da pessoa humana. O predicado não encontra sua razão de ser sem o núcleo.
É certo também, que a concepção de direitos humanos surgiu originariamente com o fito de mediar a relação apenas entre Estado e pessoas (relação vertical), tendo aquele a relação de não só respeitá-los, mas também protegê-los, garanti-los e promovê-los.
Neste passar de idéias, dada a inserção da pessoa humana no centro gravitacional dos direitos fundamentais, pode-se assentir que além da eficácia vertical e imediata, os direitos fundamentais também apresentam eficácia horizontal, como tal entendida a que irradia seus efeitos no liame entre atores privados, ou seja, entre pessoas, sendo exigíveis também nas vinculações entre os particulares e os poderes privados, e, em especial entre trabalhadores e tomadores de serviços.
Quero dizer com esta reflexão, que no arcabouço dos direitos sociais existe todo um desencadeamento axiológico que acaba materialmente resultando na observância do pressuposto maior da dignidade da pessoa humana.
Assim, quando defendemos o combate ao trabalho escravo, estamos fazendo proposição afirmativa ao princípio fundamental da liberdade, este que por fim se atrela ao pressuposto final da dignidade da pessoa humana; quando evidenciamos o direito a não discriminação no ambiente de trabalho, estamos refletindo o ideário do direito fundamental da igualdade, que é mais um corolário do pressuposto maior da dignidade do homem.
Os direitos fundamentais são, por conseguinte, cláusulas universais abertas que permeiam em todas em relações, seja entre o poder público e o indivíduo, tanto quanto entre os particulares. Preenchem, assim, espaços existentes entre as legislações e os fatos que a elas podem ser submetidos, colocando entre estas relações um valor maior.
Daí porque, tendo os direitos fundamentais uma textura aberta e entrelaçada ao princípio da dignidade da pessoa humana, é possível corroborar sua aplicabilidade imediata em relação ao Estado e aos particulares.
Conclusão e Mecanismos de Proteção ao Trabalho em Tempos de Crise
Como já depreendi anteriormente, o mercado de trabalho e as políticas públicas sociais dos países do ocidente têm seguido os mesmos vetores do mercado econômico. E que, em tempos de crises econômicas globais, ambos se voltam contra as proteções sociais dos trabalhadores como forma principal (logicamente, dentre outras que não possuem pertinência temática com a presente palestra) para um ajuste financeiro.
Paradoxalmente, entendo que o contrário é o melhor caminho para o fortalecimento tanto da economia governamental quanto das finanças do ente empresarial.
Acredito firmemente que: se o trabalhador tiver maiores condições de vida e de renda, vai consumir mais junto ao comércio e junto ao setor de prestação de serviços, que vai demandar mais encomendas à indústria, e esta última, sofrerá um aumento de demanda que vai propiciar lucro ao “mercado” de capitais que nela investe.
Mas, relembrando outro problema também já posto em foco nesta, é que por traz de tudo atua um sujeito quase incorpóreo, atualmente denominado “mercado”. Este no meu sentir possui exclusivo compromisso com a rentabilidade. É volátil, inconstante, e, como muitos especialistas de economia costumam classificar: “volúvel”.
Em decorrência desta instabilidade desencadeada pelos “mercados” de capitais, muitas vezes grandes coorporações vêem-se em curtos momentos sem o capital necessário para empreender, porque este migrou ao toque de um botão para outro ponto do planeta. Por conseqüência, vêem-se sem condições cumprir sua função social.
Acredito que políticas governamentais do ocidente devem ser repensadas, de modo a estender ao capital investido no mercado de valores o conceito de função social da propriedade. Isto, através mecanismos legislativos para que os investimentos migrados para os mercados de ações se submetam a regras de comprometimento com o mercado trabalho que se estabelece em torno da empresa recebedora deste investimento.
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